Por Eduardo Tito e Morgana Montalvão – Foto Eduardo Tito

A vereadora Marta Rodrigues (PT), repudiou os ataques de intolerância religiosa sofrido pela professora Sueli Santana, educadora da Escola Municipal Rural Boa União, da rede municipal de Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador (RMS), na última sexta-feira (22).

Santana foi chamada de “bruxa”, “demônia”, “macumbeira”, “satanás” e “feiticeira” e também, chegou a ser apedrejada por alunos entre 10 e 12 anos, membros uma mesma família, que se recusaram a assistir à aula sobre cultura afro-brasileira.

Os estudantes proferiram as agressões verbais após observarem as vestes tradicionais do Candomblé usadas pela professora em uma aula ministrada por ela.

O relato da professora foi dado ao site Farol da Bahia e choca pela agressividade. A edil, juntamente com o colega Silvio Humberto (PSB), prestou solidariedade a profissional e a defendeu na tribuna da Câmara de Vereadores.

“Nós utilizamos hoje, tanto eu como o vereador Silvio Humberto, a tribuna para a gente prestar solidariedade e nosso repúdio também. Porque a professora, ela tem toda a liberdade de cátedra. Ela estava dando aula que é uma lei, que é referência à lei antirracista, que é a lei 10.639, de 2003, e a 11.645 [leis que tornam obrigatórias o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas]. Esses estudantes se manifestando contra a professora, chamando ela de demônio, de todos os nomes que a gente, até para adjetivar, fica difícil”, disse Marta Rodrigues (PT), nesta terça-feira (26).

“E na sexta-feira, como ela respeita o sagrado dela,  foi vestida de branco. E esses alunos acharam pouco e apedrejaram esta professora.O que está acontecendo no país hoje, é o ódio, a cultura da intolerância, que têm que acabar. Cada um tem a sua [religião], cada um professa a sua fé em que acredita e tem que ser respeitado. E esta casa aqui, nós aprovamos um estatuto de combate ao racismo e intolerância religiosa. Então, esta casa também tem que se manifestar, porque não dá pra gente conviver com ações e também com atitudes como essas, mesmo sendo no município de Camaçari, em Abrantes, isso é grave, mas aconteceu um caso aqui também no metrô, a pessoa que fez isso, estava presa na audiência de custódia, foi liberada. A gente tem leis e não pode permanecer com essa impunidade”, completou a vereadora.

Na visão da edil, a maior arma contra à intolerância é a educação que combata toda forma de opressão e preconceito.

“O mês de novembro e o Mês da Consciência Negra, de visibilidade, de pauta, mês que a gente busca aprimorar as leis, as políticas públicas, para cada vez mais a gente avançar. Mas não basta ficar só em novembro, é preciso ir mais além. Por isso que eu me refiro muito à educação. A educação tem um outro papel, um papel pedagógico. A gente tem que estar formando cidadãos e cidadãs que com outra visão de mundo e não do ódio, e não da raiva. Imagine essa consciência de verdade, em entender a luta de Zumbi dos Palmares, de Dandara?”, questionou.

“A gente tem que falar de heróis negros que tiveram um papel importante na história do Brasil. Precisa se trazer também esta reflexão. E eu digo, eu como professora, eu digo que a sala de aula é onde a gente tem que exercer cada vez mais todas essas pautas, como também as leis. E a gente precisa aprimorar as leis. Precisa aprimorar? Sempre precisa, porque a conjuntura é muito dinâmica”, complementou a vereadora.

Secretaria orientou que a professora parasse de trabalhar com livro

A professora Sueli Santana contou que a situação piorou após o recesso escolar no meio do ano.  Em algumas ocasiões, ao chegar na sala de aula, havia versículos bíblicos escritos no quadro e uma Bíblia sobre a mesa.

Ao solicitar para que o dono retirasse o livro, as crianças diziam que a Bíblia estava ali para que Jesus “salvasse sua alma”.

A Secretaria de Educação de Camaçari foi procurada pela gestora da escola para saber como proceder diante das agressões. No entanto, a orientação repassada foi para que a educadora parasse de trabalhar com o livro que estava sendo usado nas aulas, o ABC Afro Brasileiro.

No começo, a professora decidiu que não prestaria denúncia, pois acreditava que seria possível combater o racismo e a intolerância religiosa por meio da educação. A situação se tornou insustentável quando ela foi agredida fisicamente no dia 30 de outubro, com uma pedrada no pescoço.

Na quinta-feira (21), a professora decidiu procurar as medidas legais, registrando um boletim de ocorrência na 18ª Delegacia de Camaçari (Deam) e formalizando a denúncia junto ao Ministério Público da Bahia (MPBA).

Críticas a violência contra à mulher

Marta Rodrigues também teceu críticas ao alarmante índice de violência contra a mulher negra no Brasil. De acordo com a última pesquisa do Instituto DataSenado, publicada na última sexta-feira (22), a vulnerabilidade econômica é fator de risco para o problema social da violência doméstica contra as mulheres negras no Brasil.

O levantamento revela ainda que dois terços das vítimas, ou seja, 66%, têm baixa ou nenhuma renda e que a esmagadora maioria delas, 85%, convivem com seus agressores.

Os dados são da Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher Negra, que ouviu quase 14 mil mulheres que se declararam pretas ou pardas, acima de 16 anos, no período de 21 de agosto a 25 de setembro de 2023. O trabalho é uma estratificação da 10ª edição da Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, desenvolvida em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência do Senado.

“Isso pra gente é muito triste, né? Pra gente ver essa realidade estar acontecendo, ainda se referindo a quem as mulheres negras. Pior ainda, que nós somos maioria nesse nosso país. E aí vem toda essa luta pra ter os avanços, pra ter as conquistas, mas no dia a dia a gente tem percebido e tem visto como as coisas não vêm funcionando. Quando a gente vê casos como esse, onde a impunidade reina, isso mostra o quê? Pra deixar o agressor, quem quer que seja, que pode fazer tudo, tudo é permitido. Mas não é. Por isso que a gente elabora e formula as leis, que é pra gente tentar ir melhorando, protegendo essas mulheres”, diz Marta Rodrigues.

“Não vão melhorar de uma hora pra outra, não. Porque as leis são processos, não é de uma hora para outra. A gente não vai criar lei hoje e amanhã vai mudar. Não é assim, infelizmente, de não ter mais racismo, não ter mais machismo, não é assim. Então, é o que eu sempre digo, a educação é o caminho. É a escola cumpre esse papel, que é a partir de lá que esses alunos e alunas, têm condições de ter essa reflexão e de gente aprimorar essa realidade contra o machismo, o racismo, a LGBTfobia, a misoginia, tudo”, enfatiza.

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