Em tempos de preguiça absoluta para leitura de “textões”  a pedagoga Edna Barros de Roma apresenta uma reflexão sobre a formação, desde a mais tenra idade, de leitores. Confira!

FORMAÇÃO LEITORA: UMA PEQUENA REFLEXÃO

Por: Edna Barros de Roma* 

A partir da década de 70, a escola brasileira passa por um processo de democratização, com a popularização do acesso.  Na década de 80, o percentual de crianças de 7 a 14 anos atendidas pela educação pública chega a 80,9%; já no ano 2000, o percentual sobe para 96,4%. Atualmente, segundo pesquisadores da educação, o desafio está em melhorar a qualidade da educação brasileira. Houve avanços, porém o problema com a alfabetização em nosso país está longe de ser solucionado, segundo as autoras do artigo “A Importância da Oralidade no Processo de Alfabetização”, as fonoaudiólogas e linguísticas Wolff e Nazari (2009), e os dados do IBGE de 2000 confirmam essa afirmação, o país conta com 15 milhões de analfabetos e de 45 milhões de analfabetos funcionais – elas avaliam, também, que para se avançar e melhorar esses dados as pesquisas científicas são imprescindíveis, para que o professor possa nortear, assim, seu fazer pedagógico. Após seus estudos, verificaram a relevância da oralidade como alternativa no processo de ensino/aprendizagem e da importância do conhecimento metalinguístico, de pensar sobre a linguagem e operar com ela em seus diferentes níveis: textual, pragmático, semântico, sintático, morfológico e fonológico, numa perspectiva psicolinguística. O processo de ensino aprendizagem da leitura é sem dúvida, muito instigante e desafiador, tanto para o aluno como para o professor que media o processo. Quanto a mediação, Cagliari afirma que “não é só o professor que é um mediador entre uma atividade e um aluno que aprende, mas os próprios alunos podem ser mediadores uns dos outros, quando trabalham juntos compartilham seus conhecimentos”. (CAGLIARI, 1994, p. 68)

Adquirir a capacidade de ler significa sobretudo a condição de compreender um mundo que vai se mostrando cada vez maior e mais surpreendente. São nessas descobertas que alguns alunos apresentam mais dificuldades do que os outros.

Esse desconhecimento sobre a importância e a necessidade da leitura torna-se um entrave no processo de desenvolvimento do aluno, uma vez que ele não a vê como algo prazeroso, não se sente motivado a ler diariamente e espontaneamente, deixando para trás chances de vivenciar ricas experiências de enriquecimento. A educação recebe atualmente uma expressiva atenção por parte dos governos. A erradicação do analfabetismo tornou-se um ícone do desenvolvimento e, por isso, uma forma de melhorar a imagem do país frente aos bancos internacionais. Para tanto, investem pesado, esforçam-se em matricular o maior número possível de crianças, agindo assim para se evitar a evasão. Importante, também, é a universalização da pré-escola, pois, com isso, a criança tem acesso mais cedo ao cotidiano escolar, por isso, a tendência é que esse aluno tenha mais oportunidade de ser alfabetizado na idade certa e, consequentemente, diminua o número de alunos que abandone a escola.

A partir dos anos 60 pode-se afirmar que o mundo da escrita dá lugar ao mundo da imagem. Mas o que se viu nesses quarenta anos aponta em outra direção. Ser usuário competente na leitura e da escrita é cada vez mais condição para a efetiva participação na formação social do sujeito.

O professor precisa reconhecer e valorizar a diversidade cultural dos alunos, superar discriminações, trabalhar a autoestima consciente de que poderá estar revertendo um dos mais fortes mecanismos de exclusão social, a marginalização pela negação do direito ao domínio da cultura escrita, cumprindo assim uma tarefa essencial para a promoção da cidadania. Toda instituição escolar tem características que lhe são peculiares, e que influenciam o comportamento de seus membros. Na produção das atividades pedagógicas se faz necessário, anteriormente, um estudo antropológico desse aluno e da comunidade na qual ele está inserido.

A atividade fundamental desenvolvida pela escola para a formação dos alunos é a leitura. Mas, na realidade ela não vem cumprindo bem este papel, confunde o processo de ler em um simples reconhecimento de palavras em páginas impressas, ou seja, vem trabalhando a leitura como um simples ato de decifrar códigos. Existe uma nítida separação entre os mecanismos da leitura e o pensamento, reduzindo a leitura a um ato mecânico de decifrar letras. O desinteresse pela leitura tem origem na pré-escola e deve-se, em grande parte, ao tipo de literatura que é oferecido às crianças, não considerando o interesse e a faixa etária. Em relação aos estímulos no processo de ensino/aprendizagem Cagliari afirma:

A escola não precisa se preocupar muito com a aprendizagem: isto as crianças farão por si. Precisa preocupar-se com dar chances às crianças para vivenciarem o que precisam aprender, sentirem que o que fazem é significativo e vale a pena ser feito. Sem esse interesse realmente sentido pelas crianças, as atividades da escola podem não passar de um jogo, de um brinquedo, de uma obrigação, que alguns podem realizar e, outros, inconformados, deixar de lado. (CAGLIARI, p. 64/5, 1994)

Ao contrário da escrita, que é uma atividade de exteriorizar o pensamento, a leitura é uma atividade de assimilação de conhecimento, de interiorização, de reflexão. Por isso, a escola que não lê muito para os seus alunos e não lhes dá a oportunidade de ler muito está fadada ao insucesso e não sabe aproveitar o melhor que tem para oferecer aos seus alunos. Nos estudos sobre a formação de leitores no ambiente escolar, uma quantidade significativa de professores se mostra insatisfeitos em razão do tipo de envolvimento dos alunos com a leitura, sentindo-se, muitas vezes, sem subsídios, para refletir sobre suas práticas cotidianas e, a partir daí, modifica-las.

Soares (2004) afirma que é de extrema importância que a alfabetização se desenvolva num contexto de letramento – entendido este, no que se refere à etapa inicial da aprendizagem da escrita, como a participação em eventos variados de leitura e de escrita, e o consequente desenvolvimento de habilidades de uso da leitura e da escrita nas práticas sociais que envolvem a língua escrita.

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacional da Língua Portuguesa (1998), a leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção do significado do texto, a partir de seus objetivos, do seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a língua: características do gênero, do portador, do sistema de escrita.

Dessa forma, é fundamental compreender as ações que se processam na mente dos alunos quando estes estão tentando absorver os símbolos gráfico e saber quais estratégias utilizar para auxiliá-lo no ato de ler. Nessa oportunidade surge a psicopedagogia capaz de oferecer alternativas de ação no sentido de uma transformação, o que possibilita a escola e os alunos uma melhoria nas condições de aprendizagem. Nas últimas décadas vem surgindo nova proposta de práticas pedagógicas. Existe o docente que se propõe buscar cada vez mais inovações para melhorar suas ações e metas, com a preocupação de refletir sobre sua prática. Vygotsky, um estudioso importante para a educação, demonstra em seus estudos preocupação constante com a questão do desenvolvimento e com a importância dos processos de aprendizado. Para Vygotsky, o desenvolvimento individual se dá no ambiente social determinado e na relação com o outro. Considerando que o desenvolvimento do ser humano é produto de sua interação com o meio, se faz necessário agir para possibilitar que as crianças aprendam pensando, ou seja, construindo sua escrita e buscando forma para solucionar situações problemas surgidas em seu cotidiano.

Sabe-se que o indivíduo não nasce pronto e acabado, muito menos é cópia do ambiente externo, portanto é necessário que o professor conheça o nível de aprendizagem em que se encontra o seu aluno para que possa contribuir em sua educação em todos os aspectos.

Ferreiro e outros pesquisadores mostraram que a criança não chega à escola sem saber nada, pois traz consigo sua bagagem histórica, cultural e social. Assim sendo, devemos trabalhar a partir do que a criança nos mostra que sabe, ou seja, o que ela já domina, e assim tornar a aprendizagem mais desafiadora. A escola tem um papel fundamental a desempenhar nesse processo. Em primeiro lugar porque é o espaço em que pode se dar à convivência entre crianças de origens diferentes daqueles que cada uma conhece, com visões de mundo diversas daquela que compartilha em família. Em segundo, porque é um dos lugares onde são ensinadas as regras do espaço público porque a escola apresenta à criança conhecimentos sistematizados sobre os países e o mundo, e aí a realidade plural de um país como o Brasil fornece subsídios para debates e discussões em torno de questões sociais. A criança na escola convive com a diversidade e poderá aprender com ela. Assim, a alfabetização como educação é um dos elementos motores da transformação histórica. Por isso mesmo é um instrumento necessário às mudanças sociais, enquanto insere as pessoas na cultura e no mundo. Tanto o ato de alfabetizar como o ato de educar são políticos, sociais e não podem ficar à margem das estruturas econômicas, políticas e administrativas que, em última instância, delineiam suas diretrizes. Portanto, o que se propõe ao alfabetizar, é que o aluno, além de dominar o mecanismo da leitura seja capaz de usá-la como instrumento auxiliar no seu crescimento e desenvolva o gosto pela mesma, para que se utilize cada vez mais desse poder como elemento de ajustamento pessoal e social.

O sujeito transformado em leitor e usuário da escrita constrói seu conhecimento através da criticidade da realidade que está inserida, sempre enriquecendo sua visão de mundo.

O PROCESSO DE APRENDIZAGEM DA LEITURA NO CONTEXTO ESCOLAR

 Formar leitores faz o processo de emancipação de um país, e o ato da leitura e da escrita conduz a um processo de aprender, de conhecer, de aprender novos significados que ajuda aos educandos a viverem com mais plenitude. Um dos primeiros passos nesse sentido é a oferta de uma educação que esteja próxima à realidade de cada educando, que suscite sugestões e ações significativas para a sua vida.

O professor não é a única variável a interferir no processo da aprendizagem, mas é quem possui um papel muito importante para o desenvolvimento dos indivíduos das escolas.  O professor que conhece os processos de evolução da escrita e detecta a hipótese a qual seu aluno se encontra, poderá propiciar-lhe conscientemente um melhor desenvolvimento. Segundo Emília Ferreiro Conhecer quais são esses processos de compreensão infantil dota o alfabetizador de um valioso instrumento para identificar momentos propícios de intervenção nesse processo”. (FERREIRO, 1993, p.25).

Conhecer as hipóteses utilizadas pelos alunos na construção da escrita favorece ao professor aplicar atividades que possibilitam avanços nas aprendizagens. Quanto melhor o professor entender o processo de construção do conhecimento, mais eficiente será seu trabalho. É fundamental que o professor crie um ambiente que facilite situações de diálogo e participação no qual seja possível que os alunos se sintam seguros, sem medo de errar, pois, através do incentivo do professor que. Saberá que esses o ajudarão na construção do seu conhecimento.

Para o estabelecimento desse ambiente o professor deve mostrar a confiança a seus alunos a partir do respeito mútuo, acreditando sinceramente nas capacidades dos mesmos e os incentivando com atividades desafiadoras que favoreçam a observação do processo.

Outro fator que se acredita ser de fundamental importância para um melhor desempenho do aluno é o afeto, e, segundo. Wallon (apud GALVÃO, 1995), tem como teoria a ideia de que o processo de aprendizagem é dialético, critica as concepções reducionistas, recomenda o estudo da pessoa completa, tanto em relação a seu cognitivo quanto a seu afetivo e motor. Reconhece que o fator orgânico é a primeira condição para o desenvolvimento do pensamento, mas dá grande importância às influências do meio, a uma aprendizagem que depende do contexto sociocultural. Atualmente, estudos relatam a importância de se partir das experiências das crianças, de aceitar os erros que a criança produz, pois através deste o professor pode nortear suas ações futuras para que seu aluno avance em seu processo de aprendizagem. O professor não pode deixar seu papel de mediador do processo pedagógico para ser apenas um conferencista que não estimula a pesquisa e o esforço se contentando com a transmissão de soluções já prontas.

A aprendizagem da leitura constitui uma relação simbólica entre o que se deve e diz, com o que se vê e lê. A leitura deve ser vista, igualmente, como um fenômeno duplo que envolve o compreender e a compreensão. É necessário fazer uma distinção entre ler e aprender a ler. Ler é estabelecer uma comunicação com textos, por meio da busca da compreensão. Constitui-se na tarefa permanente que se enriquece com novas habilidades na medida em que se manejam adequadamente estes textos cada vez mais complexos. Por isso, a aprendizagem da leitura não se restringe ao primeiro ano de vida escolar. Atualmente, sabe-se que aprender a ler é um processo que se desenvolve ao longo de toda a escolaridade e de toda a vida. (ZILBERMAN, 1988, p.13).

Segundo Ferreiro e Teberosky (1991, p.26) “as crianças antes da sua entrada para a escola, já tem construções mentais sobre a leitura e a escrita e não se limitam a receber passivamente os conhecimentos”. De acordo com as autoras, a criança que chega à escola já é um “bom” leitor do mundo. Desde muito nova começa a observar, a antecipar, a interpretar e a interagir, dando significado aos seres, objetos e situações que a rodeiam. Ela utiliza estas mesmas estratégias de busca de sentido para compreender o mundo letrado. Essa aprendizagem natural da leitura deve ser considerada pelo professor e incorporada às suas estratégias de ensino, com o fim de melhorar a qualidade desse processo contínuo iniciado no momento em que a criança é capaz de captar e atribuir significado as coisas do mundo. Assim, a ação de ler o mundo em que a criança enfrenta progressivamente numerosos e variados textos. O trabalho de leitura, na escola, tem por objetivo levar o aluno a análise e à compreensão das ideias dos autores e buscar no texto os elementos básicos e os efeitos de sentido. É importante que o leitor se envolva, se emocione e adquira uma visão dos vários materiais portadores de mensagem presentes na comunidade em que se vive.

A leitura acontece quando se produz o sentido e quanto mais informação, experiências de leituras anteriores, mais consciência na formação de sentido terá o leitor, pois além de que se encontram nas linhas é preciso atender também as entrelinhas. Só quem lê interpreta, questiona, estabelece julgamentos do que pode e deve fazer, exercendo plenamente a sua cidadania. Durante nosso estágio, na leitura de um texto do livro didático, para alunos de nove anos, nos deparamos com a expressão “tração nas quatro rodas”, o objetivo de citarmos essa experiência é demonstrar que se o professor não levar o aluno a compreender as entrelinhas do texto, a semântica, ela, também, não deverá cobrar dele sua compreensão dessa leitura.

A língua portuguesa faz parte das disciplinas obrigatórias no currículo do Ensino Fundamental e Médio. Sem o conhecimento da mesma é impossível que o aluno consiga compreender o meio em que vive e até discernir as tomadas de decisões que a vida nos impõe. Um bom educador valoriza a leitura e age conscientemente cobrando do aluno a leitura diária em casa, idas à biblioteca, jornais, revistas, livros, diversos, etc. A leitura não poderá ser uma ação mecânica, pelo contrário, deverá ser cobrada, exigindo do aluno tudo que foi lido, incentivando-o sempre para que tomem gosto pela mesma. E para compreendê-la no todo, há necessidade que se aprenda a ler e se leia muito. Agindo assim o aluno não encontrará dificuldades em outras matérias, pois todas dependem da leitura. O ato de ler deve acompanhar o ser humano a vida toda.

Todas as novas tecnologias têm o seu espaço. As crianças são muito receptivas a novidades. Portanto, o livro não deixa, mesmo assim, de ter o seu lugar e sua importância. É sabido que o texto, escrito ou audiovisual, estimula a imaginação, provoca reflexões pessoais, favorece a meditação, enriquece o patrimônio verbal e a cultura geral do leitor.

O contato com os livros deve ser muito precoce. Com um ano de idade, as crianças já podem mexer em livros de pano, plastificados, com grandes desenhos coloridos, de modo que sejam atraentes e resistentes. Afirmamos ainda que há uma idade cronológica, mas também uma idade afetiva e fisiológica, uma idade lúdica e intelectual, pelo que a definição de um determinado nível etário resulta na interseção de todos estes dados. Consequência óbvia: em termo de competência de leitura, dois indivíduos com a mesma idade cronológica poderão encontra-se em estádios de desenvolvimento distintos, que será definido pela qualidade de estímulos ao mundo da leitura.

(*) Edna Barros de Roma ([email protected]) é  graduada em Licenciatura Plena em Pedagogia pela UNEB.

publicado por redação NB – Imagem: reprodução Internet