Por Eduardo Tito – Foto Diretoria de Comunicação/CMS

“Eu sempre digo isso no PT, um nome tem que ser a última coisa que temos que pensar. Primeiro a gente pensa no projeto e depois a gente vai ver quais são os nomes que a gente tem? Quem é que melhor vai representar esta concepção de cidade? Que cidade nós queremos? Não é essa que está aí”

De acordo com dados do IBGE, mais de 80% dos soteropolitanos, são pretos e pardos. Irmã do governador Jerônimo Rodrigues, a vereadora Marta vê um “racismo perverso” na atual gestão de Salvador, a capital com a maior população negra no Brasil.

Vereadora da capital pelo Partido dos Trabalhadores desde 2008, Marta Rodrigues, contou um pouco da migração do interior da Bahia com destino para Salvador.

“Nasci em Aiquara! Depois foi que a gente veio para Jequié para trabalhar e estudar. Quando terminei o ensino médio, se fosse no período do governo Lula, no primeiro governo quando ele expandiu as universidades, os cursos técnicos, os IF Baianos, o IFBA,  eu não teria vindo, mas tive que vir. Eu vim pra cá [Salvador] porque não tinha lá [Jequié]. Porque hoje Jequié tem uma universidade muito boa, com diversos cursos. Tem o IFBA também, então tem tudo e na região ali tem tantos outros. Mas na época não tinha. Por isso que eu tive que vir para cá para estudar, para trabalhar. Primeiro para trabalhar, depois para estudar. Foi na década de 80″, disse a vereadora que já militava em movimentos sociais na cidade de Jequié. 

“Lá em Jequié eu já participava. Estudei também escola pública no Iep, hoje é um centro profissionalizante, um CEEP. E vindo para cá, comecei primeiro trabalhar, fazer a militância primeiro nos movimentos sociais e também junto com o movimento de mulheres, com o movimento negro. Começamos também ali, no bairro de Plataforma onde tinha uma ação de luta por creche de mulheres que não tinha acesso para ir trabalhar porque não tinha com quem deixar os seus filhos. Essa realidade ainda acontece. Hoje ainda, a gente vê que não tem creche. Que a gente encontra hoje na cidade são as escolas comunitárias, que acolhe. Então aquela luta de antes, nós avançamos ainda muito pouco. E essas mulheres de Plataforma tinham uma luta muito grande e tinha um apoio também do Nein, do Núcleo Interdisciplinar sobre a Mulher da UFBA. Essas mulheres lutavam também por transporte. A questão da mobilidade, infraestrutura no bairro. Essas mulheres ficavam na luta em casa porque a gente diz como foi o tema da redação do Enem esse ano. Coloca isso que a gente tem tantas outras jornadas que são invisibilizadas, mas que são tão importantes quanto quem está também no dia a dia em uma fábrica trabalhando ou em qualquer outro espaço ou dando aula quem for professor, quem for cientista pesquisando”, afirmou a vereadora.

Perguntamos para vereadora Marta o que está faltando para que mais mulheres entrem na política e não só entre, mas que cheguem a ter um acesso as cadeiras do legislativo.

“Tem um debate que a gente tem feito que é da questão da própria lei. O que a lei diz em relação Aos 30%, que é para compor a lista para poder se inscrever para sair candidata. Mas essa lei não garante que essas mulheres sejam também dentro desta lista que é dos 30%, a representação na casa. Isso também dificulta porque tem que compor e não tem que respeitar para eleger? Aí continua de novo a representação e nos partidos mesmo a gente tendo atuação, os partidos de esquerda, nos outros a gente atuando, a gente levando a mesma pauta, a gente não consegue. a questão mesmo do programa de TV, tem que ter esse espaço, a gente sabe fazer a luta, sabe organizar, a gente busca, mas as pessoas também quando aparece na televisão tem um plus a mais, as pessoas olham e falam é candidata. Então aparece quem? Os homens! Então essa dificuldade também que a gente tem. É necessário também buscar essas companheiras, buscando nos debates, na formação e ter essa prioridade”.

“Tem o movimento que a gente precisa pressionar também dentro dos nossos partidos, porque são os partidos que levam essas demandas. Por mais que o movimento encaminha, que faça documento, tem essa representatividade, mas os partidos também têm que assumir. Nós lutamos também na questão da lista, que até hoje nós não conseguimos aprovar. Se no Brasil tivesse eleição e fosse por lista, a gente pedia que a primeira fosse mulher e negra. Já que têm uma sub-representação, a gente não pode tratar os desiguais de forma igual, se não a gente não vai ter reparação nunca, a gente só faz o discurso, mas na prática não funciona”, pontuou a edil.

Marta Rodrigues – Foto Reginaldo Ipê/CMS

Militante nas causas da mulher, Marta criticou o machismo estrutural instalado na gestão pública apontando ausência de representatividade feminina nos debates que dizem respeito ao gênero.

“Como é que alguém vai falar se não está naquela realidade. Uma pauta que eu comentei da questão dos absorventes. Nós apresentamos um projeto na casa a gente ampliou mais para a população de rua, não só nas escolas e também nos postos de saúde. Nós apresentamos esse projeto, que a gente chamava de pobreza menstrual, agora é chamado de dignidade menstrual. Eu fui fazer um debate em uma escola em Pernambués, aí uma jovem negra me perguntou, “professora, porque só agora que vocês estão pensando em discutir essa pauta importante? Lá em casa nós somos três irmãs, minha mãe não tem condições de comprar o absorvente que é caro e porque só agora’’? Aí falei olha que menina esperta, no debate todo eu não fiz menção a isso, eu falei sabe o porquê? Porque quem está na Câmara Federal é esse desenho que você trouxe aqui. Então você imagine que homens brancos, conservadores, latifundiários vão pensar que aqui no bairro de Pernambués têm jovens negras que deixam de ir para a escola porque os pais não têm condições de pagar o absorvente, ela foi e falou “é verdade”. Quem apresentou esse projeto na Câmara Federal foi uma deputada de Pernambuco, uma mulher. Quem apresentou na ALBA foi Olívia e quem apresentou aqui fui eu. Foram três mulheres. Então os homens por mais queiram assumir o debate eles não vão pensar que uma jovem deixa de frequentar uma escola dependendo do seu ciclo menstrual, cinco, seis, dez dias, porque os pais não têm condições de comprar um absorvente. É como a gente viu no governo anterior, que ele vetou o projeto. Então só derrubou o veto por conta de uma campanha nacional que foi feita pelas mulheres. Mas depois Lula no dia 8 de março fez todo esse debate, já trouxe, já assinou e liberou. E na educação se uma adolescente deixa de frequentar uma escola e perde de oito a dez dias, isso tem impacto no planejamento pedagógico”.

De acordo com dados do 9º Boletim Desigualdade nas Metrópoles, divulgados no final de 2022, Salvador está em segundo lugar entre as capitais do país com o maior número de pessoas na extrema pobreza. 12,2% dos cidadãos da cidade sobrevive com menos de R$ 465 por mês. Como a senhora avalia as políticas públicas da prefeitura para população de assistência na capital

“Pois é uma política muito perversa. A gente conhece a nossa cidade a partir do orçamento público na destinação. Eu vou lhe dar dados da insegurança alimentar, isso também tem haver porque a pessoa com fome não tem condição nem de pensar nem mesmo de dormir  ou desmaia de vez, não tem condição nem de dormir de tanta fome. Restaurantes populares é importante é. Na cidade só tem dois pela prefeitura, o que tem Paripe e em Pau da Lima, porque o do Comércio e da Liberdade é do estado. A política de segurança alimentar está na política de assistência mas não é só isso”, falou a vereadora.

“A política de segurança alimentar tem que pensar de forma que você tem que garantir no primeiro momento a alimentação sim, mas tem que ter outras políticas de hortas comunitárias, de pomar e de tantas outras que esta população vai conseguindo sair desse ciclo da fome e pra poder estar sendo pensado um local para trabalhar dentro desta realidade. Salvador está construindo agora que está construindo o plano de saneamento integrado. Em pleno século 21. Então isso mostra um racismo estrutural que vai trazendo essas relações. E quem é que não tem saneamento em Salvador? Quem mora no Campo Grande? Quem mora na Graça? É quem mora na Vitória ou na Pituba? Não! Todos esses são saneados. Onde é que não tem? Nos bairros populares. Então isso mostra o quê? Mostra onde a maioria negra vive. Então, o racismo estrutural perverso com o nosso povo não ter saneamento. E saneamento é saúde, depende da limpeza da cidade pois se o lixo não é recolhido nesses bairros como é recolhido em outros, isso também interfere no saneamento e na saúde das pessoas e a gente não vê essa prioridade”, disse a petista que também lembrou da situação de assistência a educação na primeira infância que vem alvo de muitas críticas da população de baixa renda.

Vereadora Marta – Foto DC/CMS

Educação de base

“A creche que você trouxe é outro problema sério. Essa política de creche a gente tem denunciado muito no Ministério Público que já firmou TAC (termo de ajustamento de conduta). É na primeira infância que a gente vai formando esse cidadão. Se tivesse uma política de creche na cidade, uma política séria, as mães saíram para trabalhar com tranquilidade. Não é um espaço para ir até cinco horas. A gente sabe que na cidade a mobilidade, o transporte sobre pneu é também um fator que as pessoas também levam um tempo enorme no seu deslocamento de onde trabalha, os poucos que trabalham ainda, até chegar na sua moradia. Se você pegar os dados de Salvador dessa última pesquisa que saiu qual o local que o maior número de mulheres pretas trabalham? Trabalham em casa de família como trabalhadora doméstica.

Mobilidade Urbana: No dia 13 de novembro, o novo reajuste da passagem de ônibus entrou em vigor. Na semana seguinte a Câmara aprovou um subsídio da prefeitura para empresas que operam o serviço de transporte na capital no valor R$ 205 milhões, repassando R$ 190 milhões para empresas e R$15 milhões para transporte complementar. Apesar de criticar o serviço prestado na capital, Marta votou a favor do subsídio.

“É uma vergonha! Eu até viajei neste fim de semana para dois municípios e eu estava vendo alguns pontos de ônibus, no meio do nada, com mais segurança, tipo, nós passamos num sol quente com clima muito seco e tinha sombra para as pessoas ficarem. Eu também de vez em quando eu pego [ônibus]. Não dá pra gente falar de algo que a gente não vivencia. É uma precarização muito difícil essa situação. E anteriormente quando o prefeito anterior, lá atrás, a questão da outorga onerosa, a questão também do subsídio que foi aprovado agora mas anteriormente o debate, o último que veio foi com o prefeito ACM, nós apresentamos emendas como apresentamos agora e nenhuma foi aprovada. Da contrapartida social, da tarifa social. Apresentamos diversas como fizemos agora. Nós colocamos agora uma emenda para dilatar o prazo da integração que hoje são duas para mudar para três horas. Porque? Porque com a redução de linhas, num engarrafamento na cidade, nós pedimos três horas pra pessoa fazer a integração e não pagar outra tarifa cheia. A tarifa agora está R$ 5,20 e você não dá tempo de chegar nessas duas horas você vai ter que pagar outra.

Uma das emendas apresentadas pela bancada de oposição trata do prazo de validade dos créditos que hoje são de 90 dias. A nova proposta que foi vetada pelo prefeito previa acabar com essa norma.

“Como é que pode o pai ou a mãe de família vai lá, compra com seu dinheiro, você tem que usar até expirar todo dinheiro que você colocou. Então isso é mais uma manobra para defender os empresários. Nós apresentamos um projeto de lei. Tramitou na Casa mas o prefeito vetou. Sem argumento nenhum, porque isso não vai onerar a empresa e nem tão pouco a prefeitura. Porque se você já pagou antecipado, como é que você não tem que usar? É mais um absurdo e aí nós reiteramos de novo como uma emenda. Mas todas foram vetadas”, criticou.

Vereadora Marta ao lado do seu irmão Jerônimo Rodrigues, governador da Bahia – Foto Reprodução Facebook

Eleições 2024: Questionada sobre a movimentação política em torno das eleições municipais de 2024, a vereadora Marta Rodrigues defende inicialmente a construção de um projeto de governo para Salvador e que tenha uma mulher na chapa.

“Eu sempre digo isso no PT, um nome tem que ser a última coisa que temos que pensar. Primeiro a gente pensa no projeto e depois a gente vai ver quais são os nomes que a gente tem? Quem é que melhor vai representar esta concepção de cidade? Que cidade nós queremos? Não é essa que está aí. Tem que botar uma candidatura, uma mulher, mulher negra. Nós tivemos duas mulheres negras. Tivemos Denice e tivemos Olívia. Olhem a votação das nossas mulheres? A gente fala de representatividade e de mais mulheres no poder. A gente faz esse debate por onde a gente anda. Nas universidades, nas ecolas, nos movimentos e isso na hora da eleição não reflete. E muitas mulheres que militam e constroem acabam votando em homens. Entre nos nomes tem que ter uma mulher. Agora não basta ser mulher. Porque tem muitas mulheres que não me representa. Quando a gente fala assim de ser mulher, são mulheres que estejam com o compromisso com as lutas, afinada com esse debate para chegar e para fazer o diferencial. Porque a gente não acredita em mulher só para compor. Isso também não se dispõe a fazer. Então é neste desafio que a gente está. Tem que ter esse nome que tenha unidade porque se a gente fizer como foi da outra vez, diversas candidaturas pulverizadas, a gente da espaço pra quem está ai ir se consolidando. Quanto mais a gente se divide, quem é que ganha? Então a gente precisa ter unidade, ter essa importância em Salvador e em outros municípios.