Médicos e especialistas em saúde pública da Europa criticaram a decisão da Alemanha, França e outros países europeus de suspender o uso da vacina para covid-19 da empresa AstraZeneca, também conhecida como vacina de Oxford.

A decisão foi anunciada nesta segunda-feira (15/03) na Alemanha pelo ministro da Saúde, Jens Spahn, com base numa recomendação do Instituto Paul Ehrlich, após relatos de algumas pessoas vacinadas que desenvolveram coágulos sanguíneos e, mais recentemente, de trombose cerebral.

O presidente da Associação Médica Mundial, Frank Ulrich Montgomery, disse que, em estudos internacionais, a incidência de casos de trombose é semelhante nos grupos que receberam a vacina e nos que receberam um placebo.

Segundo o Instituto Robert Koch (RKI), há sete casos registrados de formação de coágulos sanguíneos em 1,6 milhão de pessoas vacinadas com o imunizante da AstraZeneca na Alemanha.

“Trombose e embolia pulmonar não têm necessariamente algo que ver com a vacina”, declarou Montgomery a um grupo de jornais regionais na Alemanha.

“No fim das contas o que acontece, infelizmente, é que essa vacina, que na verdade é boa e eficaz, não ganha exatamente uma grande aceitação entre a população por causa dessa confusão em torno da suspensão”, disse Montgomery.

Já o professor britânico David Spiegelhalter criticou a decisão por um outro aspecto. “Diante da incerteza é sempre bom ser prudente. Mas nas atuais circunstâncias, com os casos em alta na Alemanha, a prudência obriga a vacinar o quanto antes o maior número de pessoas”, afirmou o cientista da Universidade de Cambridge.

Num artigo publicado no jornal britânico The Guardian, Spiegelhalter lembrou que não há indícios de uma relação causal entre a vacinação e coágulos e que mais de 10 milhões de pessoas já foram vacinadas no Reino Unido. Segundo ele, os estudos clínicos que embasaram a aprovação no Reino Unido e a vacinação em massa comprovaram que a vacina da AstraZeneca é segura.

Também o médico Christoph Spinner, da Universidade Técnica de Munique, criticou a decisão do governo alemão. “Os casos são muito raros. Nós demos prioridade na vacinação a pessoas com doenças pré-existentes”, argumentou.

“A vacina da AstraZeneca é a segunda mais importante na Alemanha”, disse Spinner. “As vantagens predominam. Aliás, um caso grave de covid-19 também provoca frequentemente tromboembolia – só por isso a vacinação já faz sentido.”

Spahn disse que a medida é preventiva e que vai aguardar uma revisão pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA). “Para a ampla, ampla, ampla maioria não há qualquer risco. Mas não podemos descartar uma relação, e por isso estamos tomando essa decisão”, afirmou.

Além de Alemanha e França, Itália, Espanha, Dinamarca, Noruega, Suécia, Holanda, Islândia, a Irlanda e a Bulgária também suspenderam o uso do imunizante. A Áustria parou de usar doses de um lote da AstraZeneca na semana passada depois que uma mulher morreu por trombose múltipla após ser vacinada. Estônia, Letônia, Lituânia, Luxemburgo e Romênia também suspenderam o uso do mesmo lote de 1 milhão de doses, enviadas para 17 países da UE.

OMS, EMA e AstraZeneca defendem vacina

Nesta terça, a Agência Europeia de Medicamentos afirmou não haver indícios de que a vacina de Oxford teria provocado coágulos e reiterou que os benefícios do imunizante superam possíveis riscos.

Na sexta-feira, a OMS afirmou que “não há razão para deixar de usar” a vacina de Oxford. A declaração foi dada pela porta-voz da agência em Genebra, a médica Margaret Harris. Ela disse que os países devem “continuar a utilizar a vacina da AstraZeneca” e que qualquer preocupação com segurança deve ser investigada, mas que, no momento, não existiam razões para suspender a aplicação das doses.

A agência de medicamentos do Reino Unido afirmou na segunda-feira que as evidências “não sugerem” que a vacina de Oxford provoca coágulos sanguíneos e pediu que as pessoas continuem a se vacinar.

Na noite de domingo, a AstraZeneca informou que não identificou risco de coágulos sanguíneos associados à sua vacina. Segundo o laboratório, uma análise cuidadosa de dados de segurança relativos a mais de 17 milhões de pessoas já vacinadas com o imunizante na União Europeia e no Reino Unido não encontraram evidências de maior risco de embolia pulmonar, trombose em vasos sanguíneos ou redução das plaquetas.

Dificuldades na Europa e no Brasil

A vacina da AstraZeneca foi aprovada para uso na União Europeia no final de janeiro, porém vem enfrentando algumas dificuldades. Inicialmente, houve dúvidas sobre sua eficácia em pessoas com 65 anos ou mais, depois sanadas com a divulgação de um novo conjunto de dados de ensaios clínicos. O bloco comprou 400 milhões de doses da vacina, mas a farmacêutica foi forçada a reduzir as entregas previstas devido a problemas de produção.

A vacina de Oxford foi a principal aposta feita pelo governo federal brasileiro para imunizar sua população, por meio de um acordo assinado em julho de 2020 entre a AstraZeneca e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

A previsão inicial da Fiocruz era entregar 30 milhões de doses ainda em 2020, o que não se confirmou. Houve atrasos na importação do Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) da China. e as primeiras doses do imunizante vieram prontas da Índia e foram aplicadas em brasileiros apenas em 23 janeiro deste ano. Em seguida, um problema no equipamento da Fiocruz que coloca lacres de alumínio nas vacinas novamente atrasou o cronograma. A fundação espera entregar nesta semana o primeiro lote da vacina produzida no Brasil, com 1 milhão de doses, e em seguida elevar o ritmo de entrega.

Por esse motivo, cerca de 80% das doses de vacinas contra a covid-19 aplicadas no Brasil até agora são da chinesa Coronavac, produzida em parceria com o Instituto Butantan, de São Paulo, segundo cálculo da Rede Análise Covid-19. Esse imunizante foi desacreditado por Bolsonaro ao longo de 2020, que chegou a chamá-lo de “vacina chinesa de João Doria”, mas voltou atrás e em janeiro comprou 100 milhões de doses da vacina.

 

Fonte: Deutsche Welle (DW)