Profissionais de saúde do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP estão sendo “convidados” a assinar um termo de consentimento (imagem reproduzida abaixo) antes de receberem a Coronavac, a vacina contra Covid-19 produzida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan. Procurada pelo Brasil 247, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo informou que a assinatura do termo não é obrigatória para a vacinação. Mesma resposta foi dada pelo Hospital das Clínicas, com o aditivo de que a medida se basearia em orientação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Fontes ouvidas pela reportagem relatam abordagens de profissionais atuantes na Unidade Neonatal e no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, órgãos do complexo HC-USP nos quais parte das equipes é contratada por intermédio da Fundação Faculdade de Medicina. Apurou-se também que Unidades Básicas de Saúde geridas pela prefeitura paulistana receberam o termo de consentimento, com a orientação de submetê-lo aos internados em ILPI (Instituição de Longa Permanência para Idosos).

Desnecessário aprofundar-se na alegação de que o trabalhador assediado pode tomar a vacina mesmo sem assinar o termo. Uma pessoa ansiosa para ser vacinada jamais fará questionamentos que possam colocar em xeque sua chance iminente de imunização. O problema é que, mesmo não sendo obrigatório, o ato contém desvio ético e legal. E nunca foi recomendado pela Anvisa.

“Não há nenhuma recomendação da Anvisa nessa direção pós ensaio clínico, mesmo porque não faria sentido. Termo de consentimento é um instrumento para pesquisa, não para dispensação”, explica Fernando Aith, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP e especialista em Direito Sanitário. “É uma conduta grave, que pode caracterizar algum tipo de ilícito a ser apurado. Seria importante acionar a Defensoria Pública e o Ministério Público imediatamente”, alerta.

No dia em que os diretores da Anvisa mais pareciam ministros do STF ao proferirem seus votos pela liberação das vacinas Coronavac/Butantan e Fiocruz/Oxford, o que ficou claro, e que consta da papelada oficial da agência, é que o Instituto Butantan se comprometeria a aprofundar os estudos sobre a imunogenicidade da vacina. Não há menção à autorização por pessoas a serem vacinadas. Nem seria lógico, pois a liberação da aplicação proferida pela agência estaria sendo posta em dúvida. Em nome do Estado cabe ao órgão sanitário, e a mais ninguém, responsabilizar-se por vacinas em uso, mesmo quando em caráter emergencial.

Além disso, em dezembro, na votação da Medida Provisória 1.003 / 2020, a Câmara dos Deputados derrubou a intenção do governo federal de incluir a assinatura de termo de consentimento concomitantemente com o gesto vacinal, ideia flagrantemente inconstitucional. A emenda contrária à MP, proposta pelo Cidadania, destacava: “Como a nossa Agência Sanitária, antes de aprovar o uso emergencial, já faz a análise dos dados de segurança e eficácia demonstrados nos ensaios clínicos em humanos já publicados, não vemos como produtivo o fato de que a população a ser vacinada deva assinar um termo esclarecido de livre consentimento (TCLE)”.

Enquanto o Governo do Estado de São Paulo, comandado por João Doria, não esclarece o fato, sobram dúvidas, algumas das quais recaindo sobre as OSs (Organizações Sociais de Saúde) que dominam os serviços em hospitais e Unidades Básicas de Saúde.

“É possível que alguma OS esteja usando o termo como um instrumento de controle administrativo. De todo modo, não se pode fazer isso com cidadãos, que são portadores de direitos conforme leis e normas infralegais”, pondera Paulo Capel Narvai, professor titular da Faculdade de Saúde Pública da USP. “Não se pode impor um documento como esse às pessoas, mesmo que seja com finalidade meramente administrativa”, acrescenta.

Para Narvai, caso se comprove a participação de OSs na abordagem dos profissionais de saúde que recebem a Coronavac mediante o termo de consentimento, a imagem dessas empresas e fundações ficará manchada. O professor explica: “A ação se articula com a posição do Bolsonaro no sentido de que se vacina quem quer, em sintonia com a ‘teoria do jacaré’. Agora, não dá para a ‘teoria do jacaré’ virar princípio que fundamente o uso de um documento desse tipo em processos de produção de cuidados de saúde. Isso é uma aberração jurídica, ética e política”.

 

Fonte: Brasil 247