BRASIL

Governadores e prefeitos brasileiros estão buscando ajuda no exterior para combater a pandemia da COVID-19 sem intermédio do governo federal. A Sputnik Brasil ouviu o cientista político Rodrigo Prando, que explicou por que essa é uma situação inédita no Brasil.

O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, tem criticado as medidas dos governadores para conter a pandemia da COVID-19, principalmente as quarentenas nos estados. Diante da postura errática do governo federal, governadores das regiões Norte e Nordeste, além de municípios como o de Niterói, no estado do Rio de Janeiro, buscam ajuda chinesa para o combate ao novo coronavírus.

Para Rodrigo Prando, cientista político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, essa situação ocorre porque Bolsonaro demonstra problemas para exercer liderança.

“Mostra justamente […] a falta de uma coordenação de comunicação, de diretrizes que venham determinadas pela Presidência da República, depois, no caso, o ministro da Saúde, que chegue aos governadores e prefeitos, mas também porque o presidente Bolsonaro neste momento tem uma enorme dificuldade de liderar”, diz o cientista político em entrevista à Sputnik Brasil.

Prando recorda que, em 2019, houve outros momentos em que os governadores adotaram essa mesma postura. É caso do momento em que Bolsonaro trocou farpas com o presidente da França, Emmanuel Macron, acerca do aumento das queimadas na Amazônia, por exemplo. À época o presidente francês e governadores da região Norte mantiveram contato sem intermédio do governo federal.

“Já não é a primeira vez que governadores acabam por sair da órbita da Presidência da República, portanto, das questões atinentes à diplomacia, e vão buscar recursos ou parcerias no exterior”, aponta o professor.

Essa situação em que governadores prescindem da liderança do Executivo federal para tratar com governos de outros países é inédita, segundo o pesquisador.

Paulistano projeta imagem do presidente Jair Bolsonaro e de seu ministro da Saúde, Luiz Mandetta, em fachada de prédio durante novo panelaço, em São Paulo, 19 de março de 2020
© REUTERS / AMANDA PEROBELLO
Paulistano projeta imagem do presidente Jair Bolsonaro e de seu ministro da Saúde, Luiz Mandetta, em fachada de prédio durante novo panelaço, em São Paulo, 19 de março de 2020

“Isso é uma situação inédita, pelo menos que eu entendo, pelo que eu tenho estudado, na Nova República. Portanto, se nós formos levar em consideração [os ex-presidentes] Collor, Itamar, Fernando Henrique, Lula, Dilma, Michel Temer, não houve, nesse período, nenhum presidente que tivesse sido isolado pelo conjunto dos governadores estaduais como está acontecendo agora”, afirma.

O professor remete à reunião realizada na semana passada entre governadores em que decidiu-se tratar das questões pertinentes à pandemia diretamente com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

“O Poder não fica órfão. Se o Poder não tem sido exercido pelo presidente da República como caberia neste momento de crise, o poder está sendo exercido obviamente pelos governadores dos estados”, aponta.

Tática de enfrentamento e repercussão internacional

A forma de governo do presidente Bolsonaro, apoiada no confronto, inaugura o que o professor classifica como “presidencialismo de confrontação”. O cientista recorda que houve ao longo do governo uma inclinação ao confronto com as instituições.

“Não se pode dizer que é simplesmente algo dado à intempestividade do presidente, que ele simplesmente seja muito sincero e fale sem papas na língua. Há por trás disso um elemento claro, estratégico, muito bem pensado, que é essa confrontação”, explica.

Porém, o cientista avalia que essa estratégia pode não gerar mais frutos daqui para frente, uma vez que os elementos sobre os quais se ergueu, em 2018, já não estão mais presentes.

Governador de SP João Doria ao lado do presidente Jair Bolsonaro durante evento em Brasília
© AP PHOTO / ERALDO PERES
Governador de SP João Doria ao lado do presidente Jair Bolsonaro durante evento em Brasília

O professor destaca ainda que internacionalmente a reputação de Bolsonaro, em relação à pandemia, tampouco vai bem. Prando aponta que tanto a mídia internacional quanto os governos têm demonstrado pouca simpatia com a postura do presidente brasileiro.

“Nesse momento a figura do presidente Bolsonaro no cenário internacional está diminuída em sua importância, justamente porque o discurso do presidente é um discurso errático e isso faz com que, no limite, a sociedade brasileira, o cidadão, sinta-se, em um momento de muita angústia, desamparado”, afirma.