Josef Mengele, o Anjo da Morte de Auschwitz

DW

O médico e assassino em massa nazista fugiu para o Brasil depois da guerra e nunca foi punido. Sobreviventes de seus experimentos cruéis sofrem até hoje. Sua cidade natal, Günzburg, luta com o legado do infame filho.

“Não me lembro do rosto dele, apenas de suas botas polidas. Quando ouvia seus passos, rastejava-me para baixo da cama, fechava os olhos. Pensava que ele não me encontraria”, conta Lidia Maksymowicz, vítima de Josef Mengele.

Ela foi para Auschwitz-Birkenau em dezembro de 1943 – então com três anos de idade. Os alemães trouxeram sua família dos arredores de Minsk, em Belarus, para o campo de concentração.

Até hoje ela não esqueceu as cenas de quando chegou ao local. No meio da noite, a rampa sob os holofotes, homens da SS gritando, cães de guarda latindo. As famílias sendo brutalmente divididas.

Lidia foi separada da mãe e colocada na barraca das crianças. Era uma estrutura de madeira com longas fileiras de camas. Em vez de colchões, deitava-se sobre feno. Havia vermes por toda parte, os tetos estavam cheios de sujeira. As crianças sofriam de fome e frio – mas mais do que isso, elas temiam as visitas do Dr. Mengele.

O Anjo da Morte chega a Auschwitz

Josef Mengele era o filho mais velho de Karl e Walburga, uma família de empresários de Günzburg, no sul da Alemanha. Ele estudou medicina e antropologia. Depois de concluir dois doutorados, passou a pesquisar no Instituto de Biologia Hereditária e Higiene Racial em Frankfurt.

Em meados de 1940, Mengele entrou voluntariamente para a SS, a tropa de elite nazista. O tenente de 32 anos foi transferido para Auschwitz três anos depois. O médico do campo de concentração era particularmente ativo no processo de seleção na rampa de entrada. Ele estava especialmente interessado em crianças, sobretudo gêmeos e anões.

Mengele verificava se a cor dos olhos podia ser alterada injetando corantes. Ele operava em crianças sem anestesia. Infectava gêmeos com tuberculose e tifo. Muitas crianças morriam nessas tentativas. Outras eram assassinadas de forma direcionada. Os prisioneiros o chamavam de Anjo da Morte.

Lista de prisioneiros de Auschwitz, entre eles, Lidia MaksymowiczLista de prisioneiros de Auschwitz, entre eles, Lidia Maksymowicz

Luta pela sobrevivência

A pequena Lidia não conseguiu se esconder de Mengele. Ele testou vacinas nela. Após inúmeras injeções, ela estava mais morta do que viva. Quando sua mãe entrava clandestinamente em seu alojamento para trazer comida, ela encontrava sua filha desmaiada no beliche com febre alta.

Mengele não foi nem um sádico doentio nem um nazista fanático, escreveu Zdenek Zofka em seu livro Günzburg in der NS-Zeit (Günzburg na era nazista, em tradução livre).

No caso de Mengele, o historiador suspeita antes de um “cinismo sem fronteiras”, o que permitiu que ele visse suas vítimas não mais como seres humanos, mas como “uma matéria realmente morta”, como “cobaias”.

Fuga de Mengele

Em janeiro de 1945, pouco antes de o Exército Vermelho chegar a Auschwitz, Mengele fugiu para o oeste. Sob um nome falso, ele se escondeu perto de Günzburg. Em 1949, fugiu para a América do Sul.

Sua família apoiou financeiramente o criminoso nazista internacionalmente procurado. Em 1979, Josef Mengele morreu afogado no Brasil. Sua morte foi mantida em segredo pela família por anos. A verdade só veio à luz em 1985.

É razoável supor que a família não queria ser punida. Após cinco anos, os crimes pelo sigilo do paradeiro de uma pessoa procurada expiram.

Uma família influente

Os Mengeles eram uma família influente. Antes da guerra, Karl Mengele, pai de Josef, já administrava a fábrica Mengele & Söhne (Mengele e filhos), que produzia máquinas agrícolas. Em novembro de 1932, Karl disponibilizou os corredores de sua fábrica para um comício eleitoral de Adolf Hitler. Em maio de 1933, ele ingressou no Partido Nazista (NSDAP).

Os negócios foram ainda melhores no período pós-guerra. Karl Mengele foi eleito vereador e vice-prefeito. Em 1952, ele recebeu o título de cidadão honorário de Günzburg. Uma rua leva o nome dele. Quando ele morreu, seu filho Alois, irmão mais novo de Josef, assumiu a fábrica. Hoje ela se encontra falida.

Rua com nome do pai de Josef Mengele em GünzburgRua com nome do pai de Josef Mengele em Günzburg

“Mengele”, atende uma mulher quando ligo para o número de telefone da Fundação Social da Família Dieter Mengele em Günzburg. Quando solicito uma entrevista, a conversa termina rapidamente. “Não estamos interessados em contatos com a mídia”, diz a senhora de forma educada, mas decidida, desligando logo depois.

A fundação, criada em 2009 por Dieter Mengele, filho de Alois Mengele e sobrinho de Josef Mengele, já doou mais de um quarto de milhão de euros para causas beneficentes. A família não quer ter nada a ver com o passado. Ela não participa da Fundação do Trabalho Forçado ou em projetos comunitários que lembram as vítimas de Josef Mengele.

Reduto nazista ou apenas local de nascimento?

Há uma “sombra monstruosa” sobre o nome desta cidade, diz Rudolf Köppler, ex-prefeito de Günzburg. Por décadas, a cidade na região central da Suábia vive sob a sombra do Anjo da Morte, que ali nasceu em 1911, tendo vivido lá até terminar o ensino médio.

O nome de Günzburg veio às manchetes há 34 anos. Em fevereiro de 1985, um “julgamento” simbólico de Mengele foi realizado no Memorial do Holocausto Yad Vashem. Os sobreviventes relataram as atrocidades do médico do campo de concentração em frente às câmeras.

A repercussão foi esmagadora. Os EUA ordenaram novas revisões do caso Mengele. A recompensa por ele aumentou para quase 5 milhões de dólares. Repórteres de todo o mundo acorreram a Günzburg – “a cidade de Mengele”. Na época, a manchete do jornal sensacionalista britânico Daily Express foi: “A cidade onde o Dr. Morte ainda lança sua sombra maligna.”

“Günzburg não foi reduto nazista. A cidade não é pior nem melhor que outras cidades alemãs”, explica Köppler. Mengele “poderia ter nascido em qualquer lugar”, enfatiza o político social-democrata de 83 anos. Ele se opõe à mudança de nome da Rua Karl Mengele. “Isso seria culpar alguém por sua ligação familiar, como na era nazista”, argumenta.

Moradores lembram vítimas de Mengele

Nem todos os habitantes de Günzburg estão satisfeitos com esse resgate histórico. Um deles é o professor do ensino médio Siegfried Steiger. Seu esforço levou à construção de um memorial para lembrar a vítima Janusz Korczak, um educador judeu-polonês morto no campo de extermínio de Treblinka em 1942.

Memorial para Janusz Korczak em GünzburgMemorial para Janusz Korczak em Günzburg

Para garantir que as atrocidades de Mengele não sejam esquecidas, o teatro experimental dirigido por Steiger encena desde 2005 a peça Zündeln – oder Josef M. und Seinesgleichen (Brincando com fogo – ou Josef M. e seus pares). “Denunciamos todos os médicos que realizam experimentos criminosos em humanos”, explica o professor.

A ideia de um memorial para as vítimas do médico da SS também veio da sociedade civil. No pátio do edifício Dossenbergerhaus, agora há uma placa com uma citação do escritor austríaco e vítima do nazismo Jean Améry: “Ninguém pode renunciar à história de seu povo”, diz a inscrição.

O impressionante memorial com várias dezenas de pares de olhos – uma alusão aos experimentos de Mengele – foi projetado por alunos de ensino médio de Günzburg.

Lidia sobreviveu a Auschwitz

Lidia vivenciou a entrada do Exército Vermelho em 27 de janeiro de 1945. “Após a libertação, havia 160 crianças na barraca, com idades entre dois e 16 anos. Eu fui a que morei mais tempo em Auschwitz”, disse a sobrevivente. Somente em Auschwitz-Birkanau, 200 mil crianças foram mortas.

Após a guerra, Lidia foi adotada por uma família polonesa. Sua mãe foi considerada morta durante muito tempo. Somente alguns anos depois, as duas se reencontraram.

O medo do Dr. Mengele permanece. Ao brincar, Lidia adverte as crianças: “Não grite tão alto, senão os alemães virão.”

Depois da guerra, Lidia Maksymowicz se formou em química, casou-se, abriu uma empresa. Sua vida familiar sofreu com as sequelas de sua vivência no campo de concentração. “Eu fui incapaz de amar de forma justa e correta. Eu não pude amar meu filho da maneira que uma mãe deveria amar”, disse a sobrevivente de 80 anos.

Da série de reportagens Culpa sem expiação, um projeto da redação polonesa da DW com Interia e Wirtualna Polska. dw.com/zbrodniabezkary

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