Por Redação – Foto: José Cruz/AgBrasil

Mensagens obtidas pela Polícia Federal no âmbito da operação Spoofing, que investigou o hackeamento de procuradores da Lava Jato e do ex-juiz Sérgio Moro, revelam que na época, o ex-procurador Deltan Dallagnou tentou negociar com autoridades dos EUA a divisão do dinheiro que seria cobrado através de multas a Petrobras.

O negociata foi tramada em conversas entre procuradores brasileiros e suíços no Telegram, aplicativo de mensagem. A revelação foi feita nesta quinta-feira, (20) pelos jornalistas Jamil Chade, do UOL, e Leandro Demori, da newsletter A Grande Guerra.

De acordo com as mensagem reveladas pela reportagem, os procuradores do Brasil e da Suíça discutiram por meio do Telegram, extraoficialmente. As autoridades de Berna, cidade Suíça, eram responsáveis pela busca, confisco e pelo detalhamento das contas que serviam como destino das propinas investigadas na Lava Jato.

No início deste mês, mensagens entre essas autoridades mostraram a pressão exercida por Sergio Moro, ex-juiz da Lava Jato, sobre procuradores da operação.

As mensagens são de janeiro e fevereiro do ano de 2016.  Os procuradores não citam a Controladoria-Geral da União (CGU), que, por lei, é o órgão competente para casos desse tipo.

‘Tudo é confidencial’: a busca pelo sigilo no contato com os Estados Unidos
De acordo com a publicação, Dallagnol contou aos procuradores suíços, em 29 de janeiro de 2016, o resultado dos contatos que tinha feito com autoridades norte-americanas.

“Meus amigos suíços, acabamos de ter uma reunião introdutória de dois dias com a SEC (Comissão de Valores Mobiliários) dos EUA. Tudo é confidencial, mas eu disse expressamente a eles que estamos muito próximos da Suíça e eles nos autorizaram a compartilhar as discussões da reunião com vocês”, escreveu Dallagnol em um trecho revelado.

Em seguida, Deltan detalha o que foi tratado na reunião:

“Proteção às testemunhas de cooperação: eles protegerão nossos cooperadores contra penalidades civis ou restituições; Penalidades relativas à Petrobras. O pano de fundo: O DOJ e a SEC aplicarão uma penalidade enorme à Petrobras, e a Petrobras cooperou totalmente com eles. Eles não precisariam de nossa cooperação, mas isso pode facilitar as coisas e, se cooperarmos, entendemos que não causaremos nenhum dano e poderemos trazer algum benefício para a sociedade brasileira, que foi a parte mais prejudicada (e não os investidores dos EUA). Como estávamos preocupados com uma penalidade enorme para a Petrobras, muito maior do que tudo o que recuperamos no Brasil, e preocupados com o fato de que isso poderia prejudicar a imagem de nossa investigação e a saúde financeira da Petrobras, pensamos em uma solução possível, mesmo que não seja simples”, escreve

“Eles disseram que se a Petrobras pagar algo ao governo brasileiro em um acordo, eles creditariam isso para diminuir sua penalidade, e que o valor poderia ser algo como 50% do valor do dinheiro pago nos EUA.”

O “DOJ”, ao qual Dallagnol se refere na mensagem, é o Departamento de Justiça dos Estados Unidos.

Em 2018, a Petrobras fez um acordo nos Estados Unidos, pagando uma multa de 853,2 milhões de dólares para não ser judicializada. Desse valor, 80% foi destinado ao Brasil. Este pagamento seria fundamental para o fundo privado que a Deltan com a Lava Jato tentou colocar de pé, mas que foi negado por decisão do ministro Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.

No mesmo dia das mensagens acima, segundo a reportagem, um procurador brasileiro identificado nas mensagens como Douglas, enviou aos representantes da Suíça uma lista de contatos entre as autoridades dos EUA relacionadas com fraude, da Seção de Confisco de Bens e Lavagem de Dinheiro.

De acordo com as reportagens publicadas pelo site The Intercept Brasil e pela Agência Pública, em 2015, ao menos 17 agentes norte-americanos – do DOJ e do FBI – estiveram em Curitiba (PR), sem que o Ministério da Justiça tivesse conhecimento disso.

A publicação do UOl e da newsletter A Grande Guerra, os procuradores da Lava Jato sugeriram aos norte-americanos meios para permitir que os EUA ouvissem delatores da Petrobras no Brasil, o que contraria entendimento do STF sobre o tema.

No trecho a seguir, de fevereiro de 2016, Deltan Dallagnol foi alertado pelo procurador Vladimir Aras – ex-diretor da Secretaria de Cooperação Internacional (SCI) da Procuradoria-Geral da República (PGR) – sobre a ilegalidade da proposta.

Dallagnol: “Obrigado, Vlad, mas entendemos com a PF que neste caso não é conveniente passar algo pelo executivo”.

Aras: “A questão não é de conveniência. É de legalidade, Delta. O tratado tem força de lei federal ordinária e atribui ao MJ [Ministério da Justiça] a intermediação. Estamos negociando com o Senado um caminho específico para os casos do MPF. Por ora, precisamos observar as regras vigentes”.

Procurados pela reportagem, Deltan Dallagnol e a sua assessoria não se manifestaram sobre as mensagens reveladas nesta quinta-feira 20.