ANÁLISE

Dois especialistas norte-americanos comentaram a tentativa pela administração Trump de criar forças militares no espaço e como sua saída de acordos militares internacionais ameaça à paz.

A retirada dos EUA dos tratados de controle de armas é, juntamente com sua recente tentativa de obter capacidades espaciais ofensivas, parte integrante de sua busca por uma guerra para defender sua posição mundial como “o rei do pedaço”, disseram dois especialistas à Sputnik Internacional na quinta-feira (21).

Na quinta-feira (21), o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou que o país estava saindo do Tratado de Céus Abertos com a Rússia. Além disso, surgiram relatos que indicam que os EUA também podem abandonar o tratado Novo START, assinado em 2010 entre os EUA e a Rússia e limitando os estoques de armas nucleares, que vai expirar em 2021.

Poucos dias antes, Trump clamou o espaço como um local futuro para ações militares ofensivas.

Karl Grossman, professor de jornalismo na Universidade Estadual de Nova York em Old Westbury e apresentador de um programa de televisão transmitido nacionalmente e focado em questões ambientais, energéticas e espaciais, e Bruce Gagnon, coordenador da Rede Global Contra Armas e Energia Nuclear no Espaço relataram à Sputnik Internacional os mais recentes desenvolvimentos.

Uma palavra de 6 letras

“Trágico, absolutamente trágico”, descreveu Grossman a notícia de que os EUA poderiam abandonar o Novo START.

“Estão sendo quebrados tratado após tratado, e a administração Trump está retirando os Estados Unidos de tratados vitais, críticos e importantes que têm funcionado. É simplesmente trágico, e a grande questão é: aonde isso vai levar? Acho que a resposta a isso é óbvia”, disse Grossman. “É uma palavra de seis letras: ‘guerra’.”

Gagnon observou que “este tratado em particular é um importante tratado de controle de armas que restringe as armas nucleares de ambos os lados”.

“É muito claro que os Estados Unidos, durante a administração Obama, o presidente [Barack] Obama apresentou um plano para gastar US$ um trilhão (R$ 5,6 trilhões) durante os próximos 20 anos em uma nova geração de armas nucleares. Portanto, os EUA não querem ser restringidos por nenhum tratado.”

O mesmo aconteceu quando os EUA se retiraram do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário, ou simplesmente Tratado INF, em agosto de 2019. Poucos dias depois, testaram armas já em desenvolvimento que teriam violado as limitações do tratado em termos de alcance de mísseis terrestres.

Lançamento de um míssil balístico intercontinental Minuteman III desarmado durante um teste de desenvolvimento na Base da Força Aérea de Vandenberg, Califórnia, 5 de fevereiro de 2020
© AP PHOTO / U.S. AIR FORCE / SENIOR AIRMAN CLAYTON WEAR
Lançamento de míssil balístico intercontinental

As ações não são defendidas só por Trump, são um esforço bipartidário, afirmou Gagnon à Sputnik, lembrando que o antecessor de Obama, George W. Bush, também se retirou do Tratado sobre Mísseis Antibalísticos (Tratado ABM) de 1972 em 2001.

“Isto tem tudo a ver com domínio. Os tratados, essencialmente, criam uma certa estabilidade entre os vários lados concorrentes, para que nenhum deles tenha uma vantagem sobre o outro”, disse.

“Mas quando se quer alcançar o domínio, tanto na Terra como no espaço, então os tratados se tornam problemáticos, e é por isso que os EUA estão se afastando de todos esses tratados: querem dominar, e estão dispostos, basicamente, a nos levar de volta à beira da Terceira Guerra Mundial, uma guerra nuclear, para obter esse domínio”, lamenta Gagnon.

Segredo revelado

Na última sexta-feira (15), Donald Trump disse aos líderes do Pentágono na Casa Branca: “O espaço será […] o futuro, tanto em termos de defesa como de ofensiva em tantas outras coisas.”

A declaração veio depois que a administração Trump afirmou ter criado a Força Espacial dos EUA (USSF, na sigla em inglês) como reação às supostas ações da China e da Rússia para militarizar o espaço.

“Não foi nossa escolha fazer do espaço um domínio bélico”, disse o vice-comandante da USSF, tenente-general David Thompson, no Fórum de Energia Espacial do Instituto Mitchell no início deste mês.

“Nossos adversários deixaram muito claro que pretendem limitar ou remover o nosso uso do espaço em crises e conflitos e, tal como em qualquer outro domínio, não permitiremos que isso aconteça, não podemos permitir que isso aconteça no espaço.”

Grossman observou que houve uma retórica semelhante que sustentou a Iniciativa de Defesa Estratégica (SDI, na sigla em inglês), um possível sistema de interceptação de mísseis por satélite que os EUA tentaram construir durante a década de 1980.

Em contraste, disse ele, tanto a China como a Rússia são dissuadidas de tentar militarizar o espaço, nem que seja simplesmente por causa “da grande despesa”.

Isso, disse Grossman, foi Trump “revelando o segredo […] e reconhecendo que o que os EUA estão fazendo é ofensivo por natureza”, lembrando que Trump no passado se referiu à Força Espacial como “tomando posição de vantagem”.

Presidente dos EUA, Donald Trump, assina a ato de criação da Força Espacial, em 20 de dezembro de 2019
© AP PHOTO / KEVIN WOLF
Presidente dos EUA, Donald Trump, assina a ato de criação da Força Espacial, em 20 de dezembro de 2019

“Se juntar tudo […] os EUA estão falando de um programa militar ofensivo e extremamente caro no espaço. Deixe-me apenas acrescentar, a Rússia e a China não vão permitir isso. Eles não vão permitir que os Estados Unidos controlem o espaço de alguma forma e controlem a Terra abaixo desde a ‘posição de vantagem’ no espaço”, comentou Gagnon.

“Não, eles vão enfrentar os EUA a sério, e é por isso que o futuro, particularmente com tratado de controle de armas atrás de tratado sendo quebrados pelos Estados Unidos, eu odeio dizer isso, parece apocalíptico, mas eu acho que é real, que estamos nos dirigindo para a guerra e, em particular, para uma guerra espacial.”

“Acho que a indústria aeroespacial realmente tinha tudo isto preparado”, teoriza Gagnon. “Quando Trump chegou ao poder, eles estavam muito ansiosos para fazer isso acontecer, e na verdade eles estariam fazendo o mesmo se Hillary Clinton tivesse ganho as eleições [de 2016]. Eles estariam se movendo na mesma direção.”

‘Um erro de cálculo histórico’

“Para mim, tudo se resume [a] esta janela que se está estreitando e fechando”, disse Gagnon à Sputnik.

“Os EUA têm sido, desde a Segunda Guerra Mundial, o ‘menino grande no pedaço’, mas esses dias acabaram quando a China, Rússia, Índia, Irã, Brasil, você sabe, outros países estão emergindo ao redor do mundo, criando o que é chamado de ‘mundo multipolar’, o que significa que mais que uma potência está envolvida na tomada de decisões, em vez dos EUA no topo do morro.”

O especialista diz achar triste que os EUA estão tentando manter esse controle.

“Por isso, os Estados Unidos estão, muito tristemente, muito erradamente, tentando permanecer como ‘rei do pedaço’, e assim eles veem o espaço, eles vêm a Força Espacial como uma forma de fazer isso.”

“Então, são as forças corporativas que estão realmente conduzindo isto. São elas que se veem como controladoras do mundo, do dinheiro corporativo, do capitalismo corporativo, e estão fazendo avançar todas essas ações para tentar basicamente derrubar ou fazer a Rússia e a China e outros países se ajoelharem novamente”, disse Bruce Gagnon.

No entanto, advertiu ele, este foi um “verdadeiro erro de cálculo, um verdadeiro erro de cálculo histórico por parte dos Estados Unidos. O triste disto é que eles vão levar quase todos os dólares que temos neste país para pagar por este suposto sistema de controle e dominação do espaço e da Terra abaixo”.

A ironia, salientou Grossman, é que foi o ex-presidente Dwight D. Eisenhower quem criou a indústria espacial norte-americana e quem alertou para a necessidade de “se precaver contra a aquisição de influência injustificada, procurada ou não, pelo complexo militar-industrial” no seu discurso de despedida de 1961.

As opiniões expressas nesta matéria podem não necessariamente coincidir com as da redação da Sputnik