Lidar com inimigos de uma sociedade aberta, democrática e diversa não é novidade para Nancy Faeser. A nova ministra do Interior da Alemanha vem do estado de Hessen, na região central do país, que tem atraído os holofotes por causa de ataques de extrema direita. O mais notório ocorreu em Hanau em fevereiro de 2020, quando um homem racista matou a tiros nove pessoas em um bar de narguilé.

Antes disso, Hesse também alcançou as manchetes internacionais em junho de 2019, quando um neonazista assassinou o político local Walter Lübcke, da União Democrata Cristã (CDU), por causa de seu apoio aos refugiados.

E em 2006, Halit Yozgat foi morto a tiros em um cybercafé em Kassel, e se tornou a nona de dez vítimas do NSU, um grupo terrorista neonazista.

Responsável pelo serviço de inteligência e pela polícia

Nancy Faeser filia-se à tradição de antifascistas e ativistas pelos direitos da mulher. Casada e mãe de um filho de seis anos de idade, ela é advogada e passou um tempo estudando nos Estados Unidos antes de ingressar em um escritório internacional de advocacia empresarial em Frankfurt. Nas negociações para formar a nova coalizão do governo alemão, ela foi uma negociadora do Partido Social-Democrata (SPD) no grupo de trabalho sobre migração e integração, temas importantes para o Ministério do Interior.

Como membro do Legislativo estadual de Hessen desde 2003, Faeser teve que lidar várias vezes com crimes perpetrados pela extrema direita. E agora ela enfrentará desafios semelhantes em nível nacional em seu novo trabalho em Berlim.

Como ministra do Interior, ela é responsável pela segurança na Alemanha. Estão sob sua alçada agências tão importantes como o Departamento Federal de Proteção da Constituição (BfV), o serviço de inteligência doméstica da Alemanha, o Departamento Federal de Polícia Criminal (BKA) e a polícia federal. Ela é a primeira mulher a exercer essa função.

Durante muito tempo, o Ministério do Interior, que tem 70 mil funcionários, foi chefiado por ministros conservadores. A luta contra o extremismo de direita, o antissemitismo e as alegações de racismo em várias unidades policiais são alguns dos temas na ordem do dia da pasta.

Nancy Faeser e outra mulher se agacham em frente a coroa de flores em calçada.
No aniversário do ataque em Hanau, Nancy Faeser, à esquerda, prestou homenagem às vítimasFoto: Patrick Scheiber/imago images

Em março de 2021, falando no Legislativo de Hessen, Faeser afirmou: “A luta contra o extremismo de direita me levou pessoalmente à política”. Ela se referiu aos famosos sociais-democratas do passado que lutaram contra Adolf Hitler e o nazismo: Otto Wels, Kurt Schumacher e o chanceler da Alemanha Ocidental e ganhador do Prêmio Nobel da Paz Willy Brandt.

Ela sabe por experiência própria o que pode acontecer se você se posicionar contra o extremismo de direita e pela igualdade de direitos. Ela recebeu ameaças pessoais da “NSU 2.0”, cujo nome é uma alusão ao grupo terrorista liderado por Beate Zschäpe, condenada à prisão perpétua.

Outras políticas em Hessen também receberam ameaças. E havia ligações com a polícia estadual. Seda Basay-Yildizs, advogada de uma vítima da NSU, recebeu ameaças de morte. Em seguida, descobriu-se que seus dados confidenciais tinham sido acessados de um computador da polícia de Hessen. Ainda não está claro se a violação dos dados foi intencional ou resultado de negligência.

Como membro de um comitê do Legislativo estadual de Hessen que investigou a NSU, Faeser analisou as circunstâncias sobre o caso de Halit Yozgat, baleado e morto por terroristas de direita enquanto um informante do serviço de inteligência interna do estado estava na sala ao lado e não via nada. Foi impossível esclarecer esse caso, pois o governo de coalizão em Hessen, entre a CDU e os Verdes, quiseram manter os arquivos sob sigilo.

A líder do partido A Esquerda, Janine Wissler, também conhece a nova ministra do Interior alemã daquela época. “Trabalhei bem com Nancy Faeser em Hessen, especialmente durante o comitê de investigação da NSU”, disse Wissler à DW. Ela descreveu Faeser como uma companheira comprometida na luta contra a violência de direita e ameaças como a “NSU 2.0”.

Como líder da oposição em Hessen, Faeser acusou repetidamente o governo estadual comandado pela CDU e pelos Verdes de graves erros na luta contra o extremismo de direita. Agora, Faeser assumirá a luta contra o extremismo em nível federal, onde a atenção pública alemã e internacional é alta.

Proteção de dados e vigilância

As questões sobre proteção de dados poderão ser um tema controverso no novo governo em Berlim. Tanto o Partido Verde quanto o Partido Liberal Democrático (FDP) se opõem à controversa atual lei de proteção de dados, o que os coloca contra Faeser.

Os dois partidos também são céticos em relação ao mandato do Serviço Federal de Inteligência Alemão (BND) para monitorar telecomunicações, algo que o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha decidiu ser inconstitucional.

Em resumo, quando se trata de política de segurança, o novo governo federal não está unido. Para Nancy Faeser, será uma nova experiência. Afinal, como ministra do Interior, ela estará lidando com questões de segurança nacional e internacional muito maiores do que os temas com os quais ela trabalhou como líder da oposição em um estado alemão.

Fonte: Deutsche Welle (DW)