O ministro Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu no sábado (19/12) uma decisão liminar que altera a Lei da Ficha Limpa e reduz o tempo durante o qual os políticos condenados na Justiça ficam proibidos de disputar eleições.

Fruto de um movimento da sociedade civil que reuniu 1,6 milhão de assinaturas, a Lei da Ficha Limpa, aprovada em 2010 pelo Congresso e confirmada em 2012 pelo Supremo, estabelece que políticos condenados por um órgão colegiado, como um tribunal de segunda instância, ficam impedidos de disputar eleições desde a condenação até oito anos após o fim do cumprimento da pena.

Na prática, o prazo total de inelegibilidade depende de diversos fatores, como os recursos apresentados ou o tempo da pena. Por exemplo, se um político for condenado hoje por um órgão colegiado a uma pena de seis anos, mas recorrer e o trânsito em julgado (final do processo) só se der daqui a dois anos, ele ficará inelegível por 16 anos: dois anos entre a condenação e o trânsito em julgado, seis anos da pena e os oito anos da Ficha Limpa.

A decisão de Nunes Marques, proferida às vésperas do recesso do Judiciário iniciado no domingo (20/12), determina que a contagem do prazo de oito anos seja iniciada com a condenação por órgão colegiado. No exemplo acima, o político estaria livre para se eleger novamente já ao final do cumprimento de sua pena.

A liminar foi concedida em uma ação direta de inconstitucionalidade promovida pelo PDT, que alegou que a atual regra impõe uma “inelegibilidade por tempo indeterminado”, por não ser possível descontar do prazo de oito anos o período durante o qual o político já estava inelegível e aguardando o julgamento de seus recursos.

A advogada do PDT, Ezikelly Barros, afirma na ação que, apesar de o Supremo ter debatido a lei em 2012, o tema do “excesso de prazo” não foi detalhado nos votos dos ministros, o que demandaria uma nova análise.

A decisão de Nunes Marques, ministro indicado ao STF pelo presidente Jair Bolsonaro, vale apenas para os candidatos nas eleições de 2020 que se enquadram no caso e são objeto de recursos ainda não julgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ou pelo Supremo.

Para o ministro, a regra de contagem de prazo da Lei da Ficha Limpa fere o “princípio de proporcionalidade” e há urgência na análise, pois os efeitos da norma só passaram a ser sentidos “de maneira significativa” pelos candidatos nas eleições deste ano. Para ele, impedir a diplomação de candidatos “legitimamente eleitos (…) acarreta a indesejável precarização da representação política”.

Reação da sociedade civil e da PGR

O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), que reúne 70 entidades da sociedade civil e se engajou pela aprovação da Lei da Ficha Limpa, afirmou que a decisão de Nunes Marques desrespeita uma lei aprovada pelo Congresso e já discutida no plenário do STF e do TSE. A entidade pedirá ao ministro Luiz Fux, presidente do Supremo, que ele suspenda a liminar ainda durante o recesso judiciário, que dura até 6 de janeiro.

“Causa espanto que um ministro recém-chegado ao STF tome uma decisão liminar, no final do período judiciário, e suspenda os efeitos de uma lei que teve grande debate na sociedade”, afirma à DW Brasil o advogado eleitoral Luciano Caparroz dos Santos, diretor do MCCE.

Santos diz que o objetivo da lei, ao estabelecer o início da contagem do prazo de oito anos após o fim do cumprimento da pena, foi desestimular políticos condenados por órgão colegiado a recorrerem às instâncias superiores com o objetivo de “procrastinar” o trânsito em julgado.

Para ele, a iniciativa do PDT e a decisão de Nunes Marques indicariam uma articulação em andamento para “enfraquecer” a Lei da Ficha Limpa, com o intuito de implementar mudanças para as eleições de 2022.

O diretor do MCCE também diz que o PDT deveria ter “coragem” de levar o tema à discussão no Congresso, e não ao Judiciário. “Os partidos reclamam que o Judiciário fica interferindo na elaboração das leis, mas eles próprios levam isso ao Judiciário”, diz.

Nesta segunda-feira (21/12), o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, apresentou recurso no Supremo pedindo que Fux suspenda imediatamente a decisão de Nunes Marques e depois leve o assunto ao plenário da Corte.

Medeiros argumenta que o ministro contrariou a decisão do plenário do Supremo sobre a Ficha Limpa, revogou de forma individual uma súmula do TSE sobre o tema, quebrou a isonomia do processo eleitoral deste ano ao valer apenas para os candidatos objeto de recursos ainda não julgados e mudou as regras da eleição sem respeitar o prazo de um ano de anterioridade.

O debate no plenário do Supremo

Em 2012, quando a Corte analisou a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, Fux defendeu que o período entre a condenação por órgão colegiado e o trânsito em julgado, no qual o político já está inelegível mas ainda aguarda o desfecho de seus recursos, fosse descontado dos oitos anos contados após o fim do cumprimento da pena. Mas acabou sendo derrotado pela maioria do tribunal.

Roberta Gresta, professora de direito eleitoral da PUC Minas, afirma que isso mostra que o tema já foi discutido há oito anos. “O problema maior da decisão [de Nunes Marques] é que ela contraria a decisão tomada pelo pleno do STF.” Para reabrir a discussão, afirma, seria necessário apresentar “razões fortes o suficientes, que deverão ser debatidas pelo plenário”.

Nunes Marques argumenta que a liminar de sábado foi necessária porque 2020 foi a primeira eleição em que os candidatos sentiram de forma mais intensa os efeitos da Ficha Limpa. Segundo Gresta, trata-se de um “equívoco de premissa”, pois a lei vigora desde 2012 e vale inclusive para fatos anteriores a ela – quem já estava condenado por órgão colegiado foi atingido pela regra.

Até sexta-feira (18/12), haviam chegado ao TSE 1.979 recursos relativos a registros de candidaturas deste ano, dos quais 1.241 foram julgados. A decisão de Nunes Marques vale apenas para os processos no universo dos 738 ainda não julgados que questionam esse item específico da Ficha Limpa. “Vai gerar instabilidade”, diz Gresta.

 

Fonte: Deutsche Welle (DW)