Clarindo Silva*
Ninguém, em sã consciência, imaginaria que a maior festa cívica do nosso estado ficaria sem acontecer em seus moldes tradicionais. Ao longo de mais de 70 anos, estou na esquina mais famosa do Pelourinho. Recordo-me de alguns momentos em que algumas autoridades não estavam verdadeiramente comprometidas com a ocasião, que é considerada como a data magna da Bahia.
Lembro-me de um período onde participei da organização, convidado pelo professor Antônio Monteiro, dedicado membro do Instituto Histórico. Na ocasião pude acompanhar desde a chegada do fogo simbólico em Pirajá, da alvorada na Lapinha, no hasteamento das bandeiras, o desfile pelas ruas do Centro Histórico, o concurso de decoração de fachadas (uma mais original que a outra), onde, com todo respeito a todas, me marcou muito a casa 34 da Rua Direita de Santo Antônio, onde D. Peu, aniversariante da data, decorou a frente da sua residência com toda originalidade, tendo a presença de figuras vivas representando os caboclos, Maria Quitéria, Major Cosme de Farias (criador da Liga Baiana Contra o Analfabetismo), distribuindo cartas de ABC, lápis e borrachas. Presenciei o espaço de disputas políticas acirradas, o Te Deum na Catedral Basílica.
Hoje, nas primeiras horas do dia, o sol nasceu brilhando mais que o primeiro. Aqui em nosso pomar os curiós, canários, cardeais, pintassilgos, os saguins, as borboletas pousadas nas belas flores pareciam me dizer que os humanos não podem festejar o 2 de Julho, mas eles o faziam. E fizeram no lugar de pessoas que perderam seus negócios, seus empregos, suas fontes de renda, mas, sobretudo, o maior presente: a vida de entes queridos, nesta terceira guerra mundial onde não há vencidos nem vencedores.
Embora estejamos vivendo um momento em que os pequenos e médios empresários não recebem o suporte dos bancos, que colocam os seus interesses e lucros absurdos em primeiro lugar e dificultam as linhas de crédito, abusando da burocracia e exigindo garantias inimagináveis para o momento, impossibilitando a manutenção de muitos sonhos, apesar de tudo, a esperança existe. Amigas e amigos, muitos exemplos posso citar de dezenas de nomes nessa nossa luta quixotesca em defesa do Centro Histórico. Mas hoje cito Maria das Dores, da Lasbonfim, que sempre está disponível em todos os momentos.
Com o meu Pelô deserto e o coração partido, continuo acreditando que a independência, neste momento, é a luta pela conquista diária da vitória contra a pandemia. E que Deus, todas as forças da natureza, todos os espíritos de luz, os orixás nos protejam para que possamos sair ilesos deste e de todos os males.
*Clarindo Silva
Escritor, poeta e empreendedor.