Assanhos …

 

Brasil !

O teu berço esplêndido,

num quarto cheio de ratos,

tem pulgas e carrapatos.

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São Chico e Irôko

No dia 4 de outubro celebra-se São Francisco, o de Assis, arauto da pobreza material e do desprendimento, aquele que costumava conversar com os bichos, amante e defensor da Natureza.

Pra quem não sabe, São Francisco é identificado com Irôko, nos terreiros Ketu/Nagô da Bahia.  A divindade Tempo.

O Tempo dá, o tempo tira/ o Tempo passa e a folha vira”. Irôko Kissilé!

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O santo rio degradado

Foi num longínquo 4 de outubro do Séc XVI que navegadores colonizadores portugueses descobriram a foz de um caudaloso rio no litoral Nordeste brasileiro, e batizaram o rio de São Francisco, que nasce na Canastra, em Minas Gerais, vara de baixo pra cima o sertão baiano, molha Pernambuco, Sergipe e Alagoas antes de se derramar no mar.

Essa foz está cada vez mais rasa e assoreada, e nesses dias cheias de manchas de óleo/petróleo, em mais um desastre ambiental estúpido, impune.

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O Rio São Francisco está morrendo aos poucos, de morte matada, da nascente ao desaguadouro, crimes sequenciados. Afluentes poluídos, matas ciliares destruídas, desvio de águas clandestinos para barragens em latifúndios, poluição industrial e de esgotos urbanos, envenenamento de pesticidas, ações (desumanas) criminosas.

As populações ribeirinhas, os barranqueiros do Rio sofrem com a poluição das águas, com a redução dos peixes e prejuízo na pesca, com a dificuldade de navegação em função do assoreamento, do estreitamento dos canais. Há lugares, onde antes existia forte correnteza, que agora se atravessa a pé. Como em Carinhanha, Ibotirama ou Xique-Xique.

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     E a lama venenosa ?

Por falar em poluição do rio e de crimes ambientais, afinal a lama tóxica que arrasou Brumadinho (MG, 251 mortos e mais de 50 desaparecidos) chegou ou não às águas do rio São Francisco?   O que aconteceu?

O desastre ambiental horroroso, de repercussão planetária, aconteceu há oito meses e ninguém mais fala nada.  Cadê o governador, os nossos senadores e deputados, as ONGs, as Igrejas, os defensores do meio ambiente e da natureza. Hum ? Socorro !!!

Alô, Papa Xico, do Vaticano !  A Amazônia virou bandeira de interesses internacionais, dá  visibilidade, sabemos, mas a desgraceira não é só lá.  O Rio São Francisco agoniza. É preciso salvá-lo, enquanto dá. Cá entre nós, desconhecemos o assunto. Criminosamente.

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  E tem a tal ‘transposição’

Tem mais de 10 anos, sim.  O presidente era Lula e Geddel um ministro todo-poderoso. Ambos atrás das grades. Teve bispo em greve de fome, sermões, discursos, palanques, campanhas, esporros papais e roubalheiras a granel. As águas seriam mesmo transpostas, na tora, pra salvar o sertão nordestino da seca e da sede.   Apois…

– O eixo leste, que atravessa Pernambuco/Paraíba, chegou a ser inaugurado por três presidentes: Lula, Dilma e Temer (2017). Teve festança, palanque, egolatrias, idolatrias, bufonarias …

Mas lá não rola uma gota d’água há meses. A área está um abandono, ninguém cuida, toma conta…   E dezenas de famílias que foram desalojadas pelas obras cairam no desalento, sem água até para beber, rezando por chuvas como sempre. São servidos por carros-pipa, no esquema da velha indústria politico-eleitoreira.

A obra orçada inicialmente em 4,5 bi já comeu 12 bi. Haja roubo e desperdício.

A calha está danificada, assoreada, as paredes de concreto estão rachadas, as 24 estações de bombas paradas, danificando-se ao tempo, as barreiras de proteção rompidas, a drenagem  obstruída, as estradas bloqueadas. O retrato do abandono na região.

O atual governo diz que está tocando o eixo-norte que vai dar no Ceará. Será?

O rio São Francisco, minguando, aguenta? E as promessas e ‘projetos’ de recuperação do rio (despoluição, plantio de matas, proteção das nascentes, dragagens, infraestrutura sanitária nas cidades ribeirinhas), cadê?

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  Canudos

  No dia 5 de outubro de 1897, Canudos caiu, massacrada, destruída a tiros de canhão, metralhadores, fuzis, baionetas e cabeças cortadas a facão e espadas. Um horror no arraial de Belo Monte, com cerca de 30 mil habitantes, perto de Monte Santo, sertão brabo da Bahia.  Assim escreveu o então repórter Euclides da Cunha, no clássico  “Os Sertões”:

Exemplo único em toda a história, resistiu até o esgotamento. Expurgado palmo a palmo, no preciso integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram seus defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança”.

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 –  Sob o comando mítico do beato Antonio Conselheiro, morto dias antes do desfecho, de causa desconhecida, a Canudos antirrepublicana, católica e comunitária resistiu na fé e na coragem de seu povo humilde durante mais de quatro anos de ataques, repeliu três expedições militares de polícias estaduais e tropas federais com paus, pedras, facões, espingardas e a estratégia de tocaias, até se exaurir inteira, sem se entregar.

– O primeiro confronto entre os seguidores de Conselheiro e as tropas republicanas aconteceu em novembro de 1886, em Uauá. Os milicos foram escorraçados. A mais humilhante das derrotas foi a do general Moreira Cesar, conhecido como o ‘corta-cabeças’, herói da Revolução Federalista, no Sul do país.  À frente de 1.500  homens bem armados, com canhões e cavalaria, o general desconhecia a região, o clima, a topografia e a índole da gente sertaneja. Fracassou e foi morto em combate. Um vergonha nacional, para a nova República e seu exército. Daí … a expedição final, com reforço das tropas federais, apoiadas pelas estaduais.

–  Era governador da Bahia o velho Luiz Viana. O presidente da República era o paulista Prudente de Moraes, o primeiro civil eleito, em 1894; mas quem estava na cadeira do presidente, no Palácio do Catete (RJ) era o vice Manoel Vitorino Pereira, um médico baiano (Prudente passou um tempo hospitalizado). Foi ele que autorizou o massacre.

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Conte outra história

Canudos e cangaço, revoltas e confederações e inconfidências, conselheiros e lampiões e zumbis, e malês, e búzios e execuções sumárias, quase diárias …   quanto massacre !

Não, não somos um povo cordato, conciliador e pacífico como querem nos induzir. Nossa História, bem contada, não diz isso.

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 Falar nisso …

O brasileiro, no confessionário:

– Seu padre, ter vontade de matar Gilmar Mendes seria pecado?

(J Simão)

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Que a Santa Dulce dos Pobres não abandone nossa pobre gente.

 

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Zedejesusbarreto , escrevinhador baiano e velho jornalista