Mesmo em eventos oficiais, Grabar-Kitarovic não descarta as roupas com as cores da bandeira croata (Benoit Doppagne/AFP)

 

por Carol Castro — Carta Caspital

Grabar-Kitarovic e Iva Olivari estão em cargos de destaque graças às políticas de igualdade, mas o país pisa na bola com atitudes nacionalistas

Duas figuras ganharam a cena nessa reta final de Copa do Mundo: a presidente da Croácia, Kolinda Grabar-Kitarovic, e Iva Olivari,coordenadora da delegação de futebol do país. Duas mulheres em destaque na Rússia machista de Vladimir Putin, no maior evento de futebol do mundo – um esporte ainda tão misógino.

Vestida com as cores e a camiseta da seleção, Grabar-Kitarovic, primeira mulher a ocupar o cargo de presidente na Croácia, festejou as vitórias da arquibancada, na tribuna, ao lado de dirigentes da Fifa, e dentro do vestiário, junto aos jogadores. Descontou os dias não trabalhados do salário e bancou do próprio bolso as passagens para acompanhar os jogos do time. Virou quase uma projeção do que todos esperam de seus políticos.

Dentro dos gramados, ao lado de jogadores e comissão técnica, Iva Olivari acompanhou os jogos sofridos da equipe croata. Foi a primeira vez que uma mulher assistiu às partidas no banco de reservas em uma Copa do Mundo de futebol masculino.

Olivari participa da rotina da seleção desde 1991, quando o país conquistou a Independência da Iugoslávia. Conquistou o cargo de coordenadora em 2012 e, desde então, cuida de toda a parte burocrática da equipe. Em 2018, decidiu ocupar seu espaço no campo, junto com toda a delegação.

Não há tanto segredo por trás de rostos femininos em cargos geralmente ocupados por homens. A Croácia se preocupa com igualdade de gênero há muito tempo. Em 1997, o país criou o primeiro Plano Nacional de Promoção à Igualdade, com diretrizes sobre violência doméstica, direitos das mulheres e mecanismos institucionais para garantir a presença feminina em cargos de tomadas de decisões. Outros dois planos desses surgiram nos anos seguintes – um deles exige salários iguais para homens e mulheres.

Não à toa, segundo dados da ONU Mulheres, em 2015, 60% das vagas em universidades eram ocupadas por mulheres. Mas só algumas abrem o próprio negócio: 18% das empresas no país pertencem a elas, de acordo com Agência de Finanças Croata (FINA). Na política, por mais que Grabar-Kitarovic seja a presidente, só 25% dos cargos são ocupados por mulheres (é mais que no Brasil, com apenas 10% delas em cargos de poder).

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Para se ter ideia da distância que separa o Brasil da Croácia, enquanto as feministas brasileiras ainda lutam pela legalização do aborto, as croatas brigam para que o aborto seja gratuito para todas as mulheres. Em alguns casos, quando há riscos maiores, elas precisam desembolsar pelo menos 400 euros para realizar o procedimento.

Claro que nem tudo funciona como prevê a lei. Muitos médicos croatas se recusam a fazer o aborto e obrigam as mulheres a ir à clínicas particulares. E elas ainda são maioria no grupo dos desempregados (54%) – e, sim, ainda ganham menos do que eles. Mas as leis abrem espaço e mudam a cultura para que mulheres como Iva Olivari tenham lugar em um esporte marcado pela presença masculina. E pelo machismo.

Guinada nacionalista

Nem tudo anda tão bem assim na Croácia. Com crise financeira em alta há seis anos, movimentos nacionalistas cresceram no país – o desemprego chega a 20%. E a culpa recai sobre as minorias: segundo relatório do Conselho da Europa (CoE), cada vez mais deputados e governadores do país têm usado discurso de ódio contra imigrantes e refugiados, principalmente muçulmanos. Tem funcionado: as últimas eleições, em 2016, levaram ao Congresso políticos do mesmo partido conservador e nacionalista de Grabar-Kitarovic.

Em campo, jogadores da Croácia parecem conversar com as ideias nacionalistas. Não se cansam de falar sobre patriotismo a cada vitória. E não se cansam de causar polêmicas.

Após a vitória sobre a Argentina, na primeira fase, o zagueiro Dejan Lovren postou um vídeo cantando a música Bojna Cavoglave, da banda Thompson. Um dos trechos da canção diz “Pela pátria preparados” e foi usado por partidos fascistas durante a Segunda Guerra Mundial – o país, aliás, recebeu apoio dos nazistas naquela época, numa estratégia alemã de enfraquecer a União Soviética.

Em outro vídeo, o zagueiro Domogaj Vida comemorou a passagem às quartas de finais com o grito “Glória à Ucrânia” – e publicou o vídeo, mais uma vez, nas redes sociais. A frase é atribuída aos partidos ultranacionalistas da Ucrânia que lutam contra a indexação da Crimeia à Rússia.

Ainda que seja considerada da ala moderada e que se mostrado favorável ao aborto, legalização da maconha medicinal e dos direitos da população LGBT, Grabar-Kitarovic flerta com a extrema direita. Em 2014, apareceu em uma foto segurando uma antiga bandeira da Croácia, usada pelos nazistas durante a Segunda Guerra.

Com tanta polêmica, a presença calorosa de Grabar-Kitarovic, vestida com as cores do país dos pés à cabeça, gerou críticas na Croácia. Apoiada no ufanismo de Copa do Mundo, Grabar-Kitarovic parece usar o nacionalismo para se reeleger no ano que vem.