O diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres, prestou depoimento nesta terça-feira (11/05) à CPI da Pandemia no Senado, que investiga as ações e omissões do governo federal no combate à covid-19.

Em suas falas, Barra Torres criticou posturas do presidente Jair Bolsonaro sobre a pandemia, que incluem a defesa do uso da cloroquina como “tratamento precoce” contra a covid, questionamentos sobre a eficácia de vacinas e ataques aos imunizantes produzidos na China.

O presidente da Anvisa, que foi indicado por Bolsonaro ao cargo, defendeu no Senado as recomendações científicas para lidar com a pandemia: distanciamento social, uso de máscaras, testagem em massa e vacinação da população.

Esta é a segunda semana de depoimentos na CPI. Os senadores também já ouviram os ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich e o atual ministro Marcelo Queiroga.

Bolsonaro e vacinas

O depoimento de Barra Torres, que é contra-almirante da Marinha na reserva e se considera amigo do presidente, teve um tom distinto do de Queiroga. Ao contrário do atual ministro da Saúde, ele respondeu de forma clara às questões dos senadores e marcou suas diferenças em relação a Bolsonaro ao defender uma estratégia baseada na ciência para combater a pandemia.

O relator da CPI, senador Renan Calheiros, questionou Barra Torres sobre afirmações do presidente contrárias à vacinação, como a de que alguns imunizantes poderiam transformar as pessoas em jacaré e fazer as mulheres terem barba, ou a de que não compraria vacinas da China.

“A conduta do presidente difere da minha nesse sentido”, disse o presidente da Anvisa. “Temos, sim, que nos vacinar. (…) A população não deve se orientar por essas falas”, afirmou.

“O meu desejo, meu trabalho, meu empenho, é que as pessoas briguem para se vacinar. Eu quero ter o poder de convencer as pessoas para que elas busquem a vacinação a todo custo”, disse Barra Torres.

Bula da cloroquina

Outra declaração relevante de Barra Torres à CPI foi a confirmação de que houve uma reunião no Palácio do Planalto em 2020 na qual se discutiu alterar a bula da cloroquina para incluir a recomendação de seu uso para pacientes com covid. O encontro já havia sido mencionado no depoimento de Mandetta.

A cloroquina é normalmente utilizada no tratamento da malária, e diversos estudos científicos constataram sua ineficácia para tratar pessoas infectadas pelo coronavírus. Seu uso pode inclusive piorar a condição de saúde dos pacientes, mas isso não impediu que Bolsonaro e seus aliados seguissem promovendo o produto.

Segundo Barra Torres, a proposta de alteração da bula da cloroquina foi defendida pela oncologista Nise Yamaguchi, defensora da cloroquina para tratar covid e que estava presente na reunião. Mandetta e o ministro-chefe da Casa Civil, Braga Netto, também estavam no encontro, e uma minuta de decreto presidencial foi apresentada sobre o tema.

Barra Torres disse ter reagido de forma “deseducada e deselegante” à proposta e se negado a mudar a bula do remédio. Ele afirmou que isso só poderia ser feito a pedido do laboratório que produz o medicamento, e com a apresentação de estudos clínicos que comprovassem a eficácia para tratar a doença.

Questionado sobre a defesa do “tratamento precoce” contra a covid, que envolve o uso de drogas sem efeito como a cloroquina e a ivermectina, ele afirmou que tenta se manter “completamente fora disso”.

Para o presidente da Anvisa, tratamento precoce deveria ser entendido como testagem, diagnóstico precoce e tratamento dos sintomas de quem contrai a doença, seguindo os protocolos médicos.

Negativa à Sputnik V

Um dos motivos da convocação de Barra Torres à CPI foi a decisão tomada pela Anvisa no final de abril que não autorizou o uso da vacina russa Sputnik V no Brasil.

Alguns governadores negociavam a compra direta da Sputnik V, à margem do governo federal, e reagiram de forma negativa à decisão da agência. A compra de doses também era considerada pelo Ministério da Saúde.

Barra Torres afirmou que não houve preciosismo nessa conclusão. Segundo ele, a empresa que produz a Sputnik V não enviou à Anvisa todos os relatórios técnicos necessários que atestassem a segurança e eficácia do imunizante, e faltavam documentos que comprovassem que o adenovírus usado nessa vacina não era capaz de se reproduzir no corpo da pessoa imunizada e causar doenças.

Ele disse que o pedido de aprovação da vacina russa Sputnik V está neste momento parado na agência, aguardando que a empresa União Química, que representa o fabricante do imunizante no Brasil, entregue novos documentos para reabrir a análise. Questionado, ele também afirmou que não se reuniu com diplomatas dos Estados Unidos para tratar do tema.

Barra Torres ressaltou que a negativa à Sputnik V não deve provocar desconfiança sobre a vacina. “Essa negativa de autorização excepcional de importação não deve somar a essa marca Sputnik V nenhum pensamento negativo. Essa é uma marca do processo, conclamo que, tão logo essa situação seja, e esperamos que seja resolvida, que não se credite a essa vacina nenhuma característica ruim”, disse.

O fabricante da Sputnik V ameaçou processar a Anvisa , e o Fundo Russo de Investimento Direto, que negocia a venda do imunizante a outros países, divulgou nota afirmando que a decisão do órgão era incorreta e podia ter sido motivada por “motivação política”. Segundo Barra Torres, o fundo também incluiu críticas pessoais a integrantes da Anvisa em um documento sobre a Sputnik V.

Outra vacina que também teve o pedido de autorização negado pela Anvisa é a Covaxin, produzida na Índia. Barra Torres afirmou ser possível que a agência receba nos próximos dias um novo pedido para a análise da Covaxin, agora com mais documentos.

Insumos da China

Barra Torres foi questionado sobre falas de Bolsonaro que colocaram em dúvida vacinas e insumos produzidos na China, de onde vem o Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) dos dois imunizantes hoje usados no Brasil: a Coronavac, em parceria com o Instituto Butantan, e a da AstraZeneca, com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

O presidente da Anvisa disse não ver nenhum problema em vacinas, medicamentos ou insumos importados do país asiático, e afirmou que uma fala recente de Bolsonaro, que sugeriu que a China teria usado o coronavírus para fazer uma guerra química, se baseia em uma teoria sem “nexo causal”.

Contra aglomerações

Barra Torres também foi cobrado sobre sua participação em uma aglomeração de apoiadores do presidente em frente ao Palácio do Planalto, ao lado do próprio, em março de 2020, no início da pandemia, sem máscara.

Na sua resposta, ele disse ter se arrependido. “Foi um ato inadequado. Eu hoje tenho plena consciência de que se pensasse cinco minutos, eu teria feito diferente”, afirmou, mencionando que estava no Palácio do Planalto para uma reunião com o presidente e o acompanhou quando ele decidiu encontrar apoiadores.

O presidente da Anvisa disse ser contra qualquer tipo aglomeração neste momento da pandemia. “É um erro aglomerar”, disse.

 

Fonte: Deutsche Welle (DW)