Durante a reunião extraordinária de ministros da Estados Ibero-Americanos, realizada na última segunda-feira (30),de maneira virtual, o ministro de Relações Exteriores Ernesto Araújo do governo Bolsonaro utilizou toda sua intervenção para acusar a Venezuela de ser uma ditadura e rechaçar a presença de representantes do governo de Nicolás Maduro no espaço. Em resposta, o ministro venezuelano Jorge Arreza sugeriu que o ministro brasileiro tomasse um chá para acalmar-se.

“Queria recomendar ao chanceler do Brasil uma receita. O comandante Fidel Castro estudou muito a moringa, uma planta extraordinária, com propriedades curativas e também tranquilizante”, disse. “Eu quero recomendar um chá de moringa, com um pouco de valeriana. Já vai ver como se abre o espaço para a tolerância ideológica, para que possamos inclusive debater”, disse.

“Podemos inclusive debater eu e o senhor, sozinhos. Eu desafio. Moringa, nos sentamos, falamos de democracia, direitos humanos, da Amazônia, de mudanças climáticas, de geopolítica”, afirmou o ministro venezuelano.

A Conferência Ibero-Americana reúne os 22 países da América Latina e da Península Ibérica. O evento, que declarou a necessidade de criação de um fundo emergencial contra a covid-19, é uma atividade prévia à cúpula anual, que será realizada em abril de 2021, em Andorra.

Chanceler venezuelano desafiou o ministro brasileiro a um debate sobre direitos humanos, mudança climática e direitos humanos. / Chancelaria Venezuela

Em seu discurso, Ernesto Araújo insistiu que a Venezuela vive uma “tragédia múltipla”, expressa em uma crise econômica, política, social, humanitária e de valores. Lamentou a ausência de representantes do autoproclamado presidente Juan Guaidó e ainda sugeriu que o governo brasileiro poderia romper com a organização.

“A presença do regime madurista nesta sala corrói os pilares fundamentais dessa comunidade, o sentimento de pertencimento e a vontade de estar juntos”, declarou Araújo.

Assim como em outras ocasiões, o chanceler brasileiro acusou, sem provas, o governo de Nicolás de Maduro de ser cúmplice de estruturas internacionais de narcotráfico e crime organizado.

Como únicas propostas para a Conferência Ibero-Americana indicou a criação de estruturas de combate ao tráfico de drogas e outros tipos de delitos internacionais, a criação de mecanismos de aferição do nível de liberdade e democracia dos países, assim como a emissão de sanções contra países que rompam com o Estado democrático de direito.

“Há uma forte expectativa do Brasil que os demais países dessa conferência possam trabalhar conosco pela restauração democracia da Venezuela”, conclui o ministro brasileiro.

Discursando depois de Araújo, ainda em tom jocoso, no final da sua declaração, o chanceler Arreaza enviou uma mensagem ao corpo diplomático brasileiro. “Sei que vocês estão em resistência, que tem vergonha das posições de seu chanceler. Mas fiquem tranquilos. Isso é temporário e, no final, nenhum governo, nenhum chanceler pode derrotar a excelência do que representa o Itamaraty. No final, esses anos serão apenas uma má lembrança e nada mais”, declarou.

Reunião ministerial é uma etapa prévia à Cúpula Iberoamericana, que será realizada em abril de 2021. / Reprodução

As declarações do chanceler Ernesto Araújo vão ao encontro do que analistas já apontavam como possíveis estratégias da oposição venezuelana e seus aliados internacionais para atacar o governo bolivariano.

As supostas denúncias de crise humanitária generalizada, aliadas à reprodução do discurso de “narcoterrorismo” difundido pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, seriam as justificativas para ativar o mecanismo Responsabilidade para Proteger (R2P) contra a Venezuela.

O compromisso R2P tem três pilares: 1) Responsabilidade de cada Estado de proteger suas populações; 2) Responsabilidade da comunidade internacional de ajudar os Estados a proteger sua nação; 3) Responsabilidade da comunidade internacional em proteger uma população das ações de um Estado. O último pilar seria utilizado como justificativa para intervir na Venezuela.

No próximo domingo, mais de 20,7 milhões de venezuelanos estão convocados a eleger 277 deputados que irão conformar a nova Assembleia Nacional. Juan Guaidó declarou que não irá participar do processo e convocou uma consulta nacional para o dia 12 de dezembro, a fim de questionar se os venezuelanos querem uma mudança de governo.

Apesar de a figura jurídica do referendo revogatório estar prevista na Constituição Venezuelana, a oposição guaidosista se apoia num mecanismo sem qualquer previsão legal.

Leia o discurso completo do chanceler Ernesto Araújo:

“Nossos irmãos venezuelanos padecem desde há muito, os efeitos de uma tragédia múltipla, imposta por um regime ilegítimo e ditatorial. Uma crise econômica, política e social, uma crise humanitária e,sobretudo, uma crise de valores.

Temos que nos unir, concordo com o querido amigo, chanceler da Argentina, Felipe Solá. Mas unir-nos em quê? Segundo quais valores? Vamos nos unir simplesmente em torno de um nome, de uma situação geográfica? Não. Precisamos nos unir em torno da democracia, da liberdade, do Estado de direito e da dignidade humana antes de tudo. Não podemos ter vergonha de falar em democracia, em liberdade.
Concordo com a ministra Arantxa González, da Espanha: ‘democracia e Estado de direito não são opcionais’. O simples fato de situar-se geograficamente no espaço iberoameircano não dá o direito automático a representantes de ditaduras sentarem ao lado de representantes de nações livres.

A Conferência Iberoamericana tem nos seus pilares a defesa da democracia, o respeito à liberdade e vigência do Estado de direto, além da promoção da prosperidade e da igualdade de oportunidades para todos. Por isso não podemos nos calar diante da tragégida venezuelana. 

Essa conferência é uma etapa rumo à Cúpula Iberoamericana, prevista para abril de 2021, o governo brasileiro entende que esta conferência necessita rumar para a defesa permanente e intransigente da libevrdade e da democracia.

O Brasil é um dos fundadores desse foro e nunca abandonou aqueles valores que mencionei, que alicerçam a congregação dos países iberoamericanos. Nosso engajamento é permanente pela democracia e liberdade. Não é simplesmente um exercício individual, tem que ser coletivo e esse engajamento está ainda mais fortalecido durante o governo do presidente Jair Bolsonaro.

Justamente pelo inerente sentimento de solidariedade e irmandande iberoamericana, o governo brasileira manifesta seu repúdio da presença, nessa reunião, de representantes do regime ilegítimo de Nicolás Maduro. 

Lamento que não haja representantes do governo legítimo de Juan Guaidó, que muitos, senão a maioria de nós aqui representados reconhecemos. 

Por que razão o princípio de união deve dar-se em torno da ditadura e não da democracia é algo que não compreendo.

Não podemos esconder nossa cabeça na areia, temos que trabalhar pela democracia na nossa região e é isso que queremos fazer aqui. O Brasil consdidera que a Conferência Iberoamericana é um espaço essencial para a democracia.

A presença do regime madurista nesta sala corrói os pilares fundamentais dessa comunidade, o sentimento de pertencimento e a vontade de estar juntos. Essa presença é lamentável, mas também expõe fraturas que abrem oportunidade para mobilizar os membros dessa conferência no sentido da valorização e relançamento do Foro como espaço real de democracia e liberdade, com plena vigência do Estado de direito e a promoção da prosperidade e igualdade de oportunidades para todos os nossos cidadãos.

Lembro que dois dos mais importantes foros interamericanos: a Organização do Estados Americanos (OEA) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) já têm como representantes os membros do governo legítimo de Juan Guaidó, governo que honra o nome da Venezuela.

Este instrumento Iberoamericano não deveria estar atrás dos instrumentos pan-americanos? Somos igualmente democráticas os dois e deveríamos ser. 

Lembro que a Venezuela foi suspensa do Mercosul em 2017, por flagrante ruptura da ordem democrática, quando o fechamento da Assembleia Nacional pelo regime ditatorial de Maduro.

O Brasil ressalta que a democracia não é uma opção política para os membros do protocolo de Ushuaia, trata-se de uma obrigação do direito internacional.

Falando em Mercosul, no dia de hoje, celebramos numa conferência entre os presidentes Bolsonaro e Alberto Fernández, os 35 anos da ata de Iguaçú que deu início à integração Brasil – Argentina e posteriormente ao Mercosul. Essa coincidência de data e a rememoração daquele fato mostra que a integração econômica que vivemos hoje no Mercosul, um dos pilares da integração latino-americana, baseou-se, antes de tudo, na democracia. Vivíamos o início do período de redemocratização nos Brasil e na Argentina.

Hoje no acordo de cooperação Mercosul e União Europeia, que pretendemos assinar, também temos um instrumentos de respeito à democracia e aos valores antes da relação comercial, como algo fundamental. 

Se o processo iberoamericano decidir basear-se em outra coisa que não a democracia se prestará para os liberticidas.

Não estamos aqui para guiar ou traçar um denominador comum entre a ditadura e a democracia. A única integração válida é aquela entre nações livres. Não a integração entre os cartéis da droga.

Ao permitir a presença dessa representação por parte de um regime ditatorial estamos expondo os demais países da nossa comunidade a um regime que sabemos, tem uma estreita simbiose com o crime organizado e todas as suas facetas e a corrupção internacional.

Por essa razão a tragédia venezuelana tornou-se um desafio para a segurança regional e mesmo global com o alto nível de desbordamento dessas atividades ilegais para o território dos países vizinhos, o que infelizmente já está acontecendo, também para os países iberios.

Queria lembrar que na semana passada, a Operação Enterprise, operação conjunta entre a Polícia Federal do Brasil e a Europol, apreendeu 12 milhões de euros em espécie em Portugal, produto de atividades relacionadas ao narcotráfico. 

E no âmbito dessa operação já houve apreensões além do Brasil, na Colômbia, Panamá, Portugal, Espanha no total de 463 milhões de reais.

A delegação brasileira propõe duas propostas:

1)  Que a conferência iberoamericana possa deter-se mais a fundo em ampliar e fortalecer estruturas de combate ao crime organizado, ilícitos internacionais ao tráfico de intorpecentes e de seres humanos

2) Que a conferência iberoamericana mantendo os compromissos assumidos, por exemplo, na declaração de 2010, em Mar del Plata, que diziam: que a democracia constitui um valor universal, faz parte do acervo da conferência desde a sua primeira reunião,que essa conferência passe a trabalhar com dedicação no sentido de construir, até a cúpula de 2021, um mecanismo eficaz de defesa da democracia que tenha um procedimento claro e preciso de aferição e decisão, bem como de sanções efetivas contra qualquer país membro que rompa com a ordem democrática. 

Propomos igualemnte que o escopo das secretarias abarque as violações sistemáticas às violação individuais e às liberades dos seres humanos. 

Para concluir, é uma forte expectativa do Brasil que os demais países dessa conferência possam trabalhar conosco pela restauração democrácia da Venezuela.”

 

Fonte: Brasil de Fato