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A inconformidade foi geral. Até o fiel escudeiro Deltan Dallagnol colocou dúvidas quanto à decisão. Não só Deltan, como também Carlos Fernando dos Santos Lima, preferiam que ele não aderisse ao novo governo.

Jornal GGN – Novos diálogos entre integrantes da Lava Jato publicados pelo The Intercep mostram descontentamento dos procuradores com o aceite dado pelo ex-juiz Sergio Moro de compor com o governo de Jair Bolsonaro, o que poderia deslegitimar a operação. No decorrer das críticas, chama a atenção a mensagem de Monique Cheker, momentos antes do ex-juiz aceitar o cargo, de que ‘Moro viola sempre o sistema acusatório e é tolerado por seus resultados’.

Os procuradores evidenciam que ali está a agenda pessoal e política do juiz, e que pouco media o que fazia em busca de acelerar tal processo.

A opinião de Monique Cheker foi dada em 1º de novembro de 2018. Os procuradores entendiam que tal decisão colocaria em ‘eterna dúvida a legitimidade e o legado da operação’. Apontaram para questionamentos éticos que suscitaria a ida ao governo e poderia dar força às alegações de que a Lava Jato teria motivações políticas.

A inconformidade foi geral. Até o fiel escudeiro Deltan Dallagnol colocou dúvidas quanto à decisão. Não só Deltan, como também Carlos Fernando dos Santos Lima, preferiam que ele não aderisse ao novo governo.

A conversa foi tensa. Um dia antes do aceite do juiz, a procuradora Jerusa Viecili, da Lava Jato de Curitiba, escreveu que a ideia era péssima. ‘Só dá ênfase às alegações de parcialidade e partidarismo’, disse ela.

Laura Tessler, outra procuradora da força-tarefa, entendia que isso iria queimar a Lava Jato. ‘Já tem gente falando que isso mostraria a parcialidade dele ao julgar o PT. E o discurso vai pegar. Péssimo. E Bozo é muito mal visto… se juntar a ele vai queimar o Moro’, disse ela. E queimando o ex-juiz, a Lava Jato estaria na linha de fogo.

O procurador Antônio Carlos Welter foi mais longe, e considerou a postura de Moro como ‘incompatível com a de Juiz’.

Uma parte do diálogo, em que Isabel Groba e Jerusa Viecili trocam impressões, a tônica é o encontro de Moro com Bolsonaro. Tal encontro, na opinião das procuradoras, seria péssimo. ‘É o fim se encontrar com Bolsonaro e semana que vem ir interrogar o Lula’, disse Groba, ao que Tessler concordou e fez um apelo: ‘Pelo amor de Deus!!! Alguém fala pro Moro não ir encontrar Bolsonaro!!!’.

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Os procuradores continuaram em tom de crítica. Antônio Carlos Welter admoestou Deltan dizendo que se fosse um cargo de ministro do STF seria uma coisa, o reconhecimento máximo na carreira. Mas no ministério da Justiça era outra coisa, teria que explicar ‘todos os arroubos do presidente, vai ter que engolir muito sapo e ainda vai ser profundamente criticado por isso’. Lembrou Deltan que a defesa de Lula, em pedido feito ao comitê da ONU para anular o processo, ‘é justamente a falta de parcialidade do juiz’. Então, logo após as eleições, Moro é convidado para ser ministro. ‘Se aceitar vai confirmar para muitos a teoria da conspiração’, disse ele, ‘vai ser um prato cheio’, completou.

‘As vezes, o convite, ainda que possa representar reconhecimento (merecido), vai significar para muita gente boa e imparcial, que nos apoia, sem falar da imprensa e o PT, uma virada de mesa, de postura, incompatível com a de Juiz’, completou Welter.

O assunto ganhou o MPF, extrapolando o contorno da Lava Jato, quando Moro aceitou o cargo. E as críticas subiram um tom. Um deles afirmou não confiar em Moro. Segundo ele, logo estariam recebendo ‘cota de delegado’ mandando acrescentar fatos à denúncia. ‘E, se não cumprirmos, o próprio juiz resolve’, disse ele.

Outra procuradora, Monique, escreve que Moro é inquisitivo, só manda para o MP ‘quando quer corroborar suas ideias, decide sem pedido do MP (variassssss vezes) e respeitosamente o MPF do PR sempre tolerou isso pelos ótimos resultados alcançados pela lava jato’. Ao que emendou Ângelo, de que, para Moro, o MPF seria um ‘mal constitucionalmente necessário’, um desperdício de dinheiro.

Monique e Ângelo trocam impressões sobre Moro ao que a procuradora solta que ‘Moro viola sempre o sistema acusatório e é tolerado por seus resultados’. Uma evidência de que tal postura é recorrente, visto ter ela teve contato com o trabalho do juiz em 2008, e ele já atuava desta forma. Ângelo diz que Moro ‘fez umas tabelinhas lá’, absolvia, eles recorriam, mas Moro não os levava em consideração na investigação criminal.

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A questão da tabelinha evidencia a parcialidade do juiz e a sua participação no grupo como verdadeiro chefe dos procuradores.

E o aceite de Moro como ministro da Justiça levou o procurador do Rio, Sérgio Luiz Pinel Dias, a dizer que, daquele momento em diante, seria muito difícil ‘afastar a imagem de que a LJ integrou o governo de Bolsonaro’.

Os procuradores mostravam muita preocupação com o fato de Moro integrar um governo onde o político em pauta fazia declarações contra liberdade de imprensa e desprezava o devido processo legal. Os procuradores Jerusa Viecili e Paulo Roberto Galvão criticaram esse fato antes do juiz aceitar o cargo. E criticaram a Força Tarefa por não terem se posicionado contra alguns posicionamentos deploráveis do então eleito.

Jerusa Viecili escreveu longa mensagem e, ao final, ponderou: ‘Eu sinceramente não quero (e isso a penas a história dirá) que a Lava Jato seja vista, no futuro, como perseguição ao PT e, muito menos, como co-responsável pelos acontecimentos eleitorais de 2018. . .’.

Quando Moro aceitou o cargo as críticas aumentaram. Alan Mansur criticou o fato de que Rosangela Moro comemorou a vitória de Bolsonaro nas redes. Ao que José Robalinho Cavalcanti concordou, e considerou um ‘erro crasso’. E o procurador Luiz Fernando Lessa emendou, dizendo que ‘esse povo do interior é muito simplório’.

Em outra conversa, quando Moro foi visitar o eleito no Rio de Janeiro, as críticas aumentaram. Somente Deltan tentava defender Moro. Os procuradores acirraram nas críticas.

João Carlos de Carvalho Rocha entendeu que Moro se perdera e poderia levar a Lava Jato junto. Aderindo ao governo deixa a operação com cara de ‘República do Galeão’,  ‘uma das primeiras erupções do moralismo redentorista na política brasileira e que plantou as sementes para o que veio dez anos depois’. E, por fim, entenderam que ali estava sua pretensão: ‘de olho na próxima campanha presidencial’, escreveu Ascari.

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Quando o superministério de Moro foi delineado, Ângelo Augusto Costa chamou a atenção do grupo para o fato de que seria um precedente perigoso um superministério, até o próprio Bolsonaro ficaria com medo. ‘Esse super MJ pode virar uma máquina de perseguição política’, disse ele.

Depois do aceite oficial de Moro, em que os jornais e redes sociais alardeavam o fato, os procuradores voltaram a trocar mensagens. Estavam preocupados de que a nomeação serviria de munição para o PT contra a Lava Jato. ‘Acho que o PT deve estar em festa agora, para justificar todo o discurso deles’, escreveu Alan Mansur. Peterson de Paula Pereira, procurador da República no Distrito Federal, disse que a decisão de Moro mostrava como ele atuava contra o ex-presidente Lula: ‘Fica claro que ele tinha Lula como troféu’. Para Monique Cheker, o movimento do ex-juiz passava uma imagem de que ele estava fazendo uma “escadinha” política com a Lava Jato.

Alguns dias depois, Deltan Dallagnol e Janice Ascari, em conversa privada, também demonstram preocupação com ida de Moro para o governo Bolsonaro, de que poderia manchar a Lava Jato diante da opinião pública.

Em outro grupo formado também por assessores de imprensa, demonstram que nem Carlos Fernando dos Santos Lima estava satisfeito com a ida de Moro para o governo, e que ‘torcia’ para ele não aceitar.

Leia a matéria no The Intercept na íntegra.