*Marcelo Alejandro Villegas Vallejos, Cristiane Schappo Wessling, Patrícia Dammski Borges de Andrade

Os atores envolvidos no desenvolvimento de energias eólicas offshore têm um planejamento de médio e longo prazo bastante animador no Brasil. A potência instalada dos projetos atualmente em licenciamento no país – e que poderiam entrar em operação antes de 2030 – supera os 80 GW, montante que representa mais que o dobro da capacidade hoje instalada no planeta. Essa expectativa foi reforçada no começo deste ano, devido à promulgação do Decreto Federal nº 10.946/2022, que se refere à “cessão de uso de espaços físicos e o aproveitamento dos recursos naturais em águas interiores de domínio da União, no mar territorial, na zona econômica exclusiva e na plataforma continental para a geração de energia elétrica a partir de empreendimento offshore”.

Paralelamente a outros trâmites regulatórios, como o PL 576/2021, por exemplo, que também abordam a concessão de áreas marinhas para instalação dos empreendimentos, vários atores veem com otimismo o cenário em construção no país. Ainda assim, especialistas já apontam que diversas melhorias são necessárias para fortalecer a segurança jurídica desse tipo de empreendimento no Brasil, assim como tornar as regras claras para as outorgas do uso de áreas marinhas para aproveitamento energético. Toda essa discussão é relevante para o amadurecimento desse conjunto de processos no futuro próximo.

Outro argumento que corrobora para tal otimismo se relaciona ao impacto ambiental das eólicas offshore: por ser considerado menor do que de grandes hidrelétricas, essas obras devem sair do papel com maior celeridade. Para que isso ocorra, no entanto, é fundamental que os estudos ambientais atendam aos requisitos legais e procedimentos envolvidos na emissão de licenças ambientais pelo Ibama. Já houve casos de processos de licenciamento reprovados pelo órgão ambiental por inconsistências na condução dos estudos, que acabaram repercutindo negativamente no setor, em âmbito nacional.

O licenciamento ambiental é parte crucial do planejamento de grandes empreendimentos do setor elétrico e mais ainda no caso das eólicas offshore, por sua complexidade e por se tratar de uma tecnologia ainda inexplorada no Brasil. Esses diagnósticos devem se basear em estudos robustos e que permitam a análise de sua viabilidade pelos órgãos competentes.

O atual corpo técnico do Ibama, responsável pela análise dos estudos ambientais de empreendimentos offshore no Brasil, é altamente capacitada, destacando-se o recente processo que levou à publicação do Termo de Referência (TR) que estabelece os requisitos necessários aos estudos ambientais à tipologia das usinas eólicas offshore. O documento foi fruto de amplo estudo, bem como de consultas públicas ao setor, especialistas e academia. Portanto, vale reforçar que, para atender às exigências previstas, os empreendedores devem estar bem atentos à capacidade técnica de quem executará os estudos ambientais.

Alguns aspectos técnicos do TR merecem especial atenção. Um deles se refere aos múltiplos usos do ambiente marinho. De acordo com informações da Divisão de Licenciamento Ambiental de Energia Nuclear, Térmicas, Eólicas e Outras Fontes Alternativas (DENEF) do Ibama DF, os diagnósticos devem conduzir o levantamento da sensibilidade ambiental desses múltiplos usos da área, suas interações e potenciais cenários de interferência. Devem explicitar, ainda, como a inserção do empreendimento pode afetar essas atividades, e detalhar como é possível chegar a essas interpretações ao longo do estudo, seja por meio de modelos matemáticos preditivos, seja por dados obtidos em campo junto às comunidades e instituições envolvidas nesses múltiplos usos.

Essa preocupação com os usos múltiplos da área marinha também se materializou no Decreto Federal nº 10.576/2022. O texto estabelece um procedimento burocrático ao demandar que os interessados na obra obtenham diversos atestados independentes com várias autarquias (“(…) envolve a obtenção de [Declaração de Interferência Prévia] DIPs do Comando da Marinha e da Aeronáutica, Ibama, ICMBio, ANP, Anatel e dos ministérios do Turismo, da Infraestrutura e da Aeronáutica.”). Assim, o referido decreto já prevê que o aproveitamento energético da área marinha deva garantir que não haverá conflitos com outros usos, conforme atestados pelos DIPs de cada um desses órgãos.

Essa visão é similar aos apontamentos dos analistas do Ibama: entende-se que um projeto eólico offshore pode ser viável em uma área que coincide com outros usos, desde que durante o licenciamento sejam obtidas e apresentadas todas as informações que atestem essa viabilidade. Nesse sentido, a leitura é que a obtenção das DIPs – anterior ao licenciamento ambiental – não implica que essa temática não deva ser cuidadosamente analisada no Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Assim, a análise apresentada no EIA deve envolver os vários cenários de impacto da obra com os múltiplos usos previstos e diagnosticados na região, mesmo que o empreendedor já tenha obtido as DIPs pertinentes. Isso fica ainda mais claro ao reconhecer que o assunto é tratado como exigência do TR e, portanto, deve ser abordado por estudo específico.

Ainda dentro dessa temática de múltiplos usos, o Ibama aponta que um bom EIA deve discutir e explicitar os níveis de incerteza das conclusões acerca dos diferentes cenários de impacto que possam se concretizar com a instalação e operação do empreendimento. Por exemplo: como as regras de restrição de embarcações nas proximidades das estruturas no mar pode afetar as atividades de pesca e/ou navegação em determinada região? Caso esse impacto se configure, quais são as alternativas para mitigá-lo e quais dados devem embasar essas soluções?

Nesse sentido, o diagnóstico deve considerar as interações potenciais da obra com as atividades e atributos ambientais presentes na área proposta à instalação, assim como das alternativas locacionais, de modo a gerar um conjunto de dados que permita comparar as diversas situações. É evidente que diferentes cenários contarão com diferentes conjuntos de dados, a partir dos quais as equipes traçam suas interpretações. O nível de incerteza dos dados deve ser explícito para fornecer boa noção sobre a seguridade das conclusões. Alguns aspectos envolvidos nesse tipo de análise podem se basear em modelos matemáticos, outros em métodos qualitativos de avaliação, mas, em todos os casos, os pressupostos e limitações metodológicas, assim como a completude e fidedignidade dos dados de entrada, devem ancorar os resultados encontrados.

Por fim, outro tópico de notável relevância para avanços no setor e estratégico para permitir agilidade no licenciamento ambiental de várias obras, refere-se às sinergias potenciais entre demandas identificadas pela equipe de analistas do Ibama e as atividades do programa de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que busca gerar inovações em diferentes aspectos ao setor elétrico nacional. Ao longo do processo de elaboração do TR e após contribuições públicas, a equipe de analistas do Ibama pontuou diversos assuntos como passíveis de serem abordados em programas de P&D, que não são específicos a estudos de licenciamento. A definição de quais temas de pesquisa e quais soluções são estratégicas a ambas as instituições (Ibama e Aneel) ainda não foram estabelecidas, e esse é um aspecto que deve ser discutido em conjunto.

O próprio Decreto Federal nº 10.946/2022 prevê a cessão de uso de áreas marinhas, de forma gratuita, para atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico (P&D). Esse mecanismo gera um precedente para parcerias dos diversos setores e instituições de pesquisa, que busquem avançar mais rapidamente no desenvolvimento de soluções e tecnologias de aproveitamento das energias oceânicas. Um exemplo que pode servir de inspiração para um modelo brasileiro é a Zona Piloto Portuguesa, área costeira de 320 kmselecionada e destinada a estudos de exploração da energia das ondas e seus possíveis impactos ambientais.

Abre-se, assim, uma janela de oportunidades ao setor privado, no sentido de criar fóruns de discussão, reunindo órgãos competentes e empreendedores para planejar novos projetos de P&D, visando à produção de resultados que agilizem avaliações ambientais de todo o setor offshore. Iniciativas como essas vêm sendo apresentadas por instituições de pesquisa no Brasil de forma isolada, a exemplo de projetos que envolvem as equipes e clientes do Lactec, e que buscam, especialmente, fomentar o melhor e mais célere desenvolvimento dessas obras pela costa brasileira.

*Marcelo Alejandro Villegas Vallejos é pesquisador na área de Meio Ambiente do Lactec, bacharel e licenciado em Ciências Biológicas pela UFPR, especialista em Análises Ambientais e mestre em Ecologia e Conservação pela mesma universidade.

*Cristiane Schappo Wessling é pesquisadora na área de Meio Ambiente do Lactec, graduada em Engenharia Ambiental pela UFPR, com especialização em Sistema de Gestão Ambiental pela PUCPR, Auditoria em Recursos Hídricos pela Pós-Graduação Bagozzi e mestrado em Meio Ambiente Urbano e Industrial pela UFPR e Universität Stuttgart.

*Patricia Dammski Borges de Andrade é pesquisadora na área de Meio Ambiente do Lactec, graduada em ciências biológicas pela UFPR, com especialização em Conservação da Natureza e Educação Ambiental pela PUCPR e mestrado em Zoologia pela UFPR.

O Lactec é um dos maiores centros de ciências, tecnologia e inovação do país, com forte atuação nos mercados de Energia, Meio Ambiente, Indústria, Mobilidade Elétrica e Conectividade.