Por Andrea DiP, Clarissa Levy, Ricardo Terto para Agência Pública – Foto Reprodução
Teorias da conspiração, vídeos manipulados com inteligência artificial e campanhas de difamação na internet. Quais os impactos desses conteúdos online no mundo real? No episódio 104 do podcast Pauta Pública, a antropóloga Letícia Cesarino, autora do livro O mundo do Avesso, explica que as plataformas digitais criam um ambiente de crise permanente.
De acordo com Cesarino, o modo como as plataformas construíram ambientes digitais converge para uma lógica de guerra e favorece a circulação de conteúdos de forças da extrema-direita, que vivem de pânico moral. “As teorias da conspiração também vivem de pânico. As pessoas se agarram àquelas crenças pelo fator do afeto ou insegurança. E esses atores políticos representam para o usuário uma configuração de segurança, por exemplo: ‘somos todos patriotas’, ‘somos todos pessoas de bem e esse inimigo precisa ser combatido’”, explica.
“O modo que a digitalização da democracia acontece hoje, substituindo mediações da democracia liberal tradicional que tínhamos com os partidos, sindicatos e debates pelas novas mídias, esse modelo se parece mais com a lógica de guerra do que com a lógica democrática”, diz a antropóloga.
[Clarissa Levy] Eu já vi e li algumas vezes, você escrevendo sobre como hoje a internet acaba sendo quase uma “mente estendida” dos usuários. Como se parte da consciência humana agora estivesse localizada no mundo online. Você pode explicar como isso funciona?
É uma abordagem a partir da antropologia. Toda a sociedade: o humano, a cultura, é complementado por artefatos técnicos, tipos de comunicação que excedem o domínio do individual. Isso também é verdade para o mundo altamente tecnológico que a gente vive hoje. Principalmente as tecnologias de mídia, que na verdade são como se fossem extensões do nosso corpo nessa captura e compreensão do ambiente que nos cerca. Porém as mídias cibernéticas, propriamente ditas, que embasam a indústria tecnológica que temos hoje, que estão nos smartphones e computadores regidas pelos algoritmos, são tecnologias de mídia um pouco diferentes. Eu costumo dizer que elas não são tecnologias triviais, porque são máquinas que foram criadas para mimetizar um certo nível da cognição animal.
Os algoritmos são máquinas que fazem procedimentos básicos de percepção do ambiente e tomada de decisão, que claro não esgotam tudo que o humano pode fazer, mas substituem o ser humano numa camada mais ‘elementar’ da tomada de decisão. Então, por exemplo, quando estamos navegando nas mídias sociais, o nosso comportamento é complementado pelo algoritmo que responde às decisões que tomamos com suas próprias escolhas. Ou seja, ao fazer uma busca no Google, ou navegar no Instagram ou Twitter o que recebemos do ambiente digital não faz parte das decisões que tomamos, o peso decisório é muito maior do lado dos algoritmos. Essa tecnologia está a todo o tempo calibrando um tipo de conteúdo que segue um desenho feito pela indústria e todo o modelo da economia da atenção, isso está por trás do desenho desses algoritmos.