Imagine que o nosso organismo é um forte no qual para impedir invasores temos duas linhas de defesa: a primeira linha de defesa é a pele – como se fossem os muros -, enquanto a segunda linha de defesa são as nossas células de defesa (os chamados glóbulos brancos). Portanto, quando, por exemplo, uma bactéria consegue ultrapassar a primeira barreira e invade nosso organismo, os soldados chamados fagócitos detectam esses invasores para que possam combatê-los. No entanto, nem sempre esses soldados dão contam do recado e então recrutam outra equipe de defesa, os linfócitos. O grande problema é que essas células precisam de tempo para se multiplicar e produzir os anticorpos necessários para neutralizar o agressor, o que leva em torno de sete dias. Então o nosso organismo cria uma memória imunológica, para que da próxima vez que ele entrar em contato com patógeno consiga atacar antes que o microrganismo prejudique o sistema.

Mas se meu organismo é capaz de combater qualquer patógeno, mesmo que demore, por que eu preciso me vacinar? Para entendermos, citamos um exemplo. Imagine o seguinte, a poliomielite, a famosa doença contagiosa da paralisia infantil. Esse vírus tem a capacidade de entrar na corrente sanguínea até chegar no sistema nervoso central, atingindo a medula espinhal e o tronco cerebral, destruindo as células do sistema nervoso e resultando na paralisia das pernas e dos braços. O vírus continua avançando e então o paciente perde os movimentos da língua, dificuldade de engolir, visão dupla, dificuldade para respirar, por isso podendo ser fatal. Portanto, enquanto seus linfócitos tentam multiplicar e produzir anticorpos, o vírus continua atacando o seu organismo, muitas vezes não dando chance de o indivíduo vencer essa guerra. É aí que as vacinas entram.

Vacinas são substâncias biológicas que ativam o sistema imunológico criando uma memória imunológica, preparando-o para futuros ataques. Existem diversos tipos de vacinas, tais como as que contêm o organismo atenuado (não patogênico), organismo morto, as de DNA, entre outras. Para que esta vacina chegue até você, ela deve seguir altos padrões de exigência e qualidade nas cinco rigorosas etapas de desenvolvimento, as quais vão desde testes em laboratório (fase pré-clínica), em que os cientistas buscam dezenas de moléculas para definir a composição da vacina, até a fase clínica, em que visa verificar os efeitos farmacodinâmicos, farmacológicos bem como a segurança da vacina.

Na Fase 0, pré-clínica, é verificada a segurança, imunogenicidade (capacidade de desenvolver uma resposta imunológica), tolerabilidade e eficácia; na Fase I, clínica, iniciam-se os testes em voluntários humanos não imunes, nessa etapa também é verificada a segurança, imunogenicidade, tolerabilidade e eficácia; Fase II, clínica, divide-se os voluntários em dois grupos: imunes e não imunes. Nesta fase, os voluntários entram em contato com o patógeno-alvo, e então verifica-se a segurança, tolerabilidade e aceitação; Fase III, nessa fase o objetivo é verificar a eficácia da vacina, segurança, tolerabilidade e aceitação, o público-alvo são grupos especiais de diferentes áreas; Fase IV, a última fase, diante de todos os dados obtidos nas fases anteriores, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), a qual é regida pelo Ministério da Saúde (MS), analisa todos os resultados obtidos em estudos com milhares de humanos voluntários de vários países, a fim de certificar que produto é eficaz e capaz de prevenir determinada doença sem oferecer risco à população. Dando início à última fase, em que tem como público a grande população e comunidades inteiras, visa avaliar a eficácia da vacina, segurança, tolerabilidade, aceitação, estratégias de vacinação e efetividade.

Embora as vacinas tenham uma notória relevância na erradicação ou controle de doenças infectocontagiosas, elas são frequentemente alvos de questionamentos e críticas sobre os efeitos adversos. No Brasil, em particular, a falta de informações e a divulgação de informações não gabaritadas colaboram para o reaparecimento de doenças infecciosas, como o sarampo e a coqueluche. O sarampo, a exemplo, até 2016 era considerado uma doença erradicada no Brasil, no entanto esse quadro mudou rapidamente quando a taxa de cobertura vacinal caiu drasticamente. Em consequência disso, em 2020, casos de sarampo foram registrados em 21 unidades federadas, e embora, no ano de 2021, 17 destas unidades tenham conseguido interromper a cadeia de transmissão do vírus, em outras quatro, nomeadamente Pará, Rio de Janeiro, São Paulo e Amapá, ainda se mantém o surto.

Nesse sentindo, a falsa percepção de que não é preciso vacinar porque as doenças desapareceram, o desconhecimento dos imunizantes que integram o calendário nacional de vacinação, o medo de que as vacinas causem reações prejudiciais ao organismo, falta de tempo para ir aos postos se vacinar, qualquer que seja o motivo, as consequências já estão sendo sentidas em todo o mundo, ameaçando reverter décadas de progresso na erradicação de doenças evitáveis e trazendo riscos de vida. 

A vacinação é uma das principais estratégias para o combate às doenças infecciosas. O ato de vacinar protege o indivíduo que a toma e a comunidade ao redor, haja visto que reduz a chance de contágio inclusive para aqueles que não tomaram a vacina. A vacina é mais do que prevenção, é um ato de amor a si mesmo e ao próximo.

Por Kely Lima.