Aposentado. Foto: Agência Brasil/arquivos

No texto da reforma da Previdência, apresentado por Bolsonaro e Guedes ao Congresso, há um artigo que retira a responsabilidade constitucional do Estado brasileiro assegurar a aposentadoria da população

Jornal GGN – Na reforma da Previdência, o governo Bolsonaro, na equipe do ministro da Economia Paulo Guedes, parte do princípio de que cada indivíduo tem que ser responsável por fazer sua própria poupança para garantir a aposentadoria, desresponsabilizando completamente o Estado em relação à seguridade do futuro idoso.

Por isso, a Proposta de Emenda Constitucional nº 06/2019 é apresentada pelo próprio governo como “a nova Previdência”. Ela institui o chamado regime de capitalização onde, basicamente, cada trabalhador terá uma conta aberta para fazer seus depósitos mensais, derivados uma parcela do seu rendimento, em um fundo que será gerido por um banco privado.

A título de comparação, no sistema previdenciário atual, do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), contribui para o fundo do futuro idoso o próprio trabalhador, o empregador e a União. A obrigatoriedade do Estado em garantir a segurança de renda dos aposentados está estabelecida na Constituição Federal de 1988. Não por acaso, Bolsonaro e Guedes incluíram na PEC da reforma da Previdência um artigo que retira do Estado brasileiro essa obrigação.

“Então, essa questão da capitalização destrói todo o nosso sistema de Previdência, de seguridade social, e tenta introduzir esse novo modelo [que responsabiliza o indivíduo por toda a sua sorte futura]. Nessa proposta, o governo diz que ninguém vai receber menos de que um salário mínimo. Mas ele também diz que o setor público não vai botar nenhum tostão para criar um fundo público garantindo que as pessoas recebam pelo menos um salário mínimo de benefício quando se aposentar no futuro”, destaca o pesquisador José Dari Krein, na segunda parte da entrevista que concedeu à TV GGN, sobre as consequências da reforma da Previdência na vida do trabalhador.

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Krain é professor, doutor e mestre em Economia Social e do Trabalho pela Unicamp, além de pesquisador do CESIT (Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho). Ele levanta várias questões não explicadas pelo governo ao abordar o sistema de capitalização da “nova Previdência”.

“Quem vai gerir? Como que vai ser a contribuição? Como que é que vai funcionar os fundos de pensões? Qual vai ser o valor da contribuição do empregado? Qual vai ser o valor da contribuição do empregador? Como é que ficam os trabalhadores autônomos? Por conta própria? Tudo isso está indefinido, porque o governo pede uma carta branca à sociedade, ao Congresso Nacional, para instituir esse novo sistema”.

O Chile é o país da América Latina onde a previdência nos moldes da capitalização está a mais tempo em vigor, desde os anos 1980. Segundo levantamento de uma organização não-governamental daquele país, a Fundação Sol, em março deste ano, metade dos 708 mil chilenos que se aposentaram por ter alcançado a idade recebem cerca de $ 150 mil pesos chilenos, o equivalente a R$ 845. O valor também equivale a 50% do salário mínimo no Chile.

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Krein pondera que a reforma da Previdência de Bolsonaro-Guedes é baseada em uma visão contrária à que viabilizou a constituição do contrato social e, portanto, do estado moderno como o conhecemos.

“Se trata de uma contraposição a toda contratualidade, a todo pacto social construído pela humanidade no século 20 inteiro, que é a tese de que o trabalhador está em uma condição desigual no mercado de trabalho e, portanto, tem que ser protegido, tem que se reconhecer os sindicatos, inclusive para negociar em nome dele, porque individualmente o trabalhador é muito fraco, e que, em muitas situações, ele pode estar submetido à lógica de vender a sua força de trabalho para conseguir a sua sobrevivência”, explica.

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“Então [ao longo do século 20], a sociedade começou a entender que, quando a pessoa fica doente, a sociedade tem que arcar com seus custos, tem que arcar com uma remuneração para a pessoa poder se recuperar. Quando uma pessoa fica desempregada, não é porque ela quer, mas porque não tem emprego, então ela tem o direito ao seguro desemprego. Quando ela fica mais velha, tem direito também à continuar vivendo dignamente. Quando se acidenta e acaba incapacitada permanentemente, ela também tem que ter assegurada uma situação de sobrevivência”, completa.

Assim, o Estado é constituído com recursos da força de trabalho de todos não por acaso, e sim  assegurar a cada indivíduo uma segurança contra as incertezas e os ricos da dinâmica econômica do mercado.

“Por isso é que todo o sistema econômico está muito favorável à reforma da previdência, especialmente, o sistema financeiro: você vai criar mais negócios para o setor privado, vai obrigar as pessoas a depositarem dinheiro em um fundo de pensão. Os bancos, que geralmente são os que administram esses fundos, vão se apropriar uma parte desses depósitos com as taxas administrativas, pelo menos”, destaca o pesquisador.

Dessa forma, o que está em jogo no debate sobre a reforma da Previdência proposta pelo governo Bolsonaro é o futuro de cada indivíduo, jogado às incertezas do mercado, caso seja aprovado o sistema de capitalização.

“Vai que esse fundo faça investimentos que não darão os retornos esperados? Um exemplo: investiu numa ação de uma empresa, ela vai à falência e esse valor se queima? Ou investiu em um setor atingido por algum desastre que fez os valor dos papéis se tornarem pó?”, volta a questionar Krein.

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A seguir, assista a íntegra da segunda parte da entrevista ao GGN.

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