Por Redação – Foto Reprodução
A Controladoria Geral da União (CGU) realizou uma auditoria sobre os repasses feitos através das chamadas “emendas Pix” e identificou irregularidades envolvendo uma ONG beneficiada por verba, indicada pelo senador Angelo Coronel (PSD-BA), relator do Orçamento de 2025 e do projeto de lei que regulamenta essas emendas parlamentares.
Angelo Coronel destinou R$ 3,2 milhões ao município de Coração de Maria, no interior da Bahia. Os recursos foram repassados em julho de 2024, segundo informações do Portal da Transparência.
De acordo com o relatório da CGU, o montante foi transferido ao Instituto de Saúde e Educação do Nordeste (Isen), que firmou um termo de colaboração com a prefeitura local para executar o projeto Educaê – Juntos por uma Nova Educação. O programa, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação, tem um orçamento total de R$ 17,7 milhões e foi planejado para ser executado ao longo de um ano.
Entre abril e setembro de 2024, a prefeitura repassou R$ 9,3 milhões ao Isen, sendo R$ 4,3 milhões provenientes das “emendas Pix”. A CGU identificou problemas na prestação de contas, incluindo falta de transparência e justificativas para os gastos mensais. Apesar de confirmar que a ONG possui condições de executar os serviços, a auditoria destacou que os valores não foram devidamente detalhados, nem houve apresentação de metas ou justificativa para os preços.
Um dos pontos críticos levantados foi a ausência de relação entre as faturas mensais apresentadas pela ONG e o plano de trabalho previsto. Além disso, as cobranças foram superiores aos valores inicialmente estabelecidos. As faturas fixas de R$ 1,4 milhão por mês desconsideram a cronologia e as etapas do projeto.
Angelo Coronel negou qualquer envolvimento direto com a ONG e afirmou que a execução das emendas é de responsabilidade da prefeitura. A auditoria foi realizada por determinação do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), no contexto de uma ação que questiona a constitucionalidade das “emendas Pix”.
As transferências especiais, apelidadas de “emendas Pix”, são populares entre parlamentares devido à facilidade e rapidez de repasse de recursos, que não exigem a vinculação a projetos específicos. Contudo, a CGU ressalta que a falta de critérios e de acompanhamento adequado pode abrir brechas para irregularidades e má gestão dos recursos públicos.
“O projeto prevê o pagamento mensal fixo de R$ 1.476.000,00, como se todas as atividades e custos envolvidos no projeto ocorressem de forma linear e mensalmente. No entanto, quando se analisa as prestações de contas, observa-se que algumas despesas ocorrem de forma pontual, como, por exemplo, a aquisição de papetes e tênis escolares, comprados e pagos pelo Isen em maio de 2018.” – Trecho da auditoria da CGU
O site da ONG e suas redes sociais não apresentam qualquer indicação sobre o recebimento e o uso dos recursos públicos. No endereço oficial da instituição na internet, a aba de transparência exibe apenas o aviso: “página em manutenção”. O site contém apenas informações institucionais e fotos de projetos realizados em parceria com prefeituras de Maceió (AL), São José de Ribamar (MA) e Conceição do Jacuípe (BA), sem mencionar a origem dos recursos utilizados para manter essas atividades.
Em resposta ao UOL, afirmou: “Não destinei recursos diretamente para essa instituição, nem para nenhuma outra no estado da Bahia“. Além disso, evitou comentar sobre o uso da verba ou as irregularidades apontadas pela CGU.
O Portal da Transparência mostra que a emenda indicada por Angelo Coronel traz informações limitadas: apenas o nome da prefeitura beneficiada, o valor destinado e, de forma simplificada, a finalidade da verba. No caso do município de Coração de Maria, o registro menciona que os recursos seriam utilizados para “material de consumo, bens e serviços, combustível e eventos culturais”. No entanto, os campos destinados ao plano de trabalho e ao relatório de gestão estão em branco.
Em agosto, o ministro Flávio Dino determinou que as “emendas Pix” devem atender aos princípios de transparência e rastreabilidade. Ele também exigiu que o governo federal só libere esses recursos se os parlamentares incluírem na plataforma Transferegov.br informações detalhadas, como o plano de trabalho, a estimativa de custos, o prazo de execução e a classificação orçamentária da despesa.
Angelo Coronel, que foi relator do projeto de lei que regulamentou os pagamentos de emendas suspensas pelo STF, ajudou a aprovar mudanças para as “emendas Pix”. Entre elas, a obrigatoriedade de indicar a conta corrente que receberá os recursos. Estados e municípios beneficiados também são obrigados a prestar contas aos tribunais de contas estaduais ou municipais em até 30 dias.
No entanto, o texto aprovado apresenta lacunas, como a falta de transparência sobre os “padrinhos” das emendas de comissão, já que as indicações feitas por colegiados ficam registradas apenas sob o nome dos líderes partidários, impossibilitando a identificação dos responsáveis.
Após as irregularidades apontadas pela CGU, a prefeitura de Coração de Maria prometeu tomar medidas corretivas. Segundo informou ao órgão, foi firmado um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com a ONG para repactuar o plano de trabalho, atendendo às recomendações da auditoria. A reportagem tentou contato com a ONG por telefone, mas os responsáveis não foram encontrados.
O prefeito Kley Lima (Avante) diz que acompanha “atentamente a execução das atividades realizadas pelo Instituto e que já trouxe vários ganhos e modernização nas ações da educação municipal“. Afirmando ainda que há tempo para que a ONG preste contas da regularização da aplicação dos recursos recebidos e “que as poucas inconsistências sinalizadas pela CGU num relatório preliminar serão devidamente saneadas para que seja plenamente atendido o interesse público objetivado, não havendo a possibilidade de quaisquer dano ao erário público”.
“Comprometemo-nos, portanto, a rever o plano de trabalho, conforme faculta o art. 57 da Lei n. 13.019/2014, para incluir ajustes e maior detalhamento. Essa revisão será formalmente encaminhada, com o propósito de alinhar o plano às recomendações da CGU, esclarecendo os pontos indicados para garantir a transparência e a prestação de contas dos recursos.” – Prefeitura de Coração de Maria, em manifestação encaminhada à CGU.