Definir a solução ideal de como levar saneamento a toda a população brasileira é um desafio complexo e que se busca vencer há várias décadas. Como toda complexidade, ela não é resolvida de uma única forma — e, sim, por um conjunto de soluções.
Nada fácil para um setor que tem tantos interesses divergentes entre as partes envolvidas e interessadas: políticos, população, governos, Estado, empresas e investidores, para citar os principais. Soma-se a isso o fato do saneamento ser holístico: produz impactos no meio ambiente, na saúde, na educação, no emprego, na renda, nas atividades econômicas empresarial e comercial, na política e na gestão pública.
Então, por onde começar? Pelo conhecimento do que já fizemos, dos resultados já obtidos e dos erros cometidos. É preciso ajustá-los e avançar — sem nunca retroceder e repetir os mesmos erros, sabendo que será sempre a população que fornecerá os recursos, como usuários dos serviços, por tarifas ou taxas, ou como contribuintes, por impostos.
Na prestação estadual, estabelecida em um governo ditatorial, a responsabilidade pelo saneamento foi retirada — de fato, e não de direito — dos municípios. Os recursos vinham do governo federal e os serviços eram prestados pelas companhias estaduais de saneamento básico (CESB), criadas para essa finalidade. Funcionou por um tempo, mas envelheceu mal. Os recursos federais secaram e ficaram as dívidas. Faltou saneamento, mas sobrou a força política dos governadores frente aos prefeitos e a força das nomeações nas companhias. Os governadores, agora em uma democracia, oferecem vantagens financeiras aos prefeitos, semelhantes às outorgas, para continuarem à frente do saneamento.
Na prestação municipal, os prefeitos mantiveram a responsabilidade legal perante o saneamento e criaram um departamento ou uma autarquia para prestar os serviços diretamente à população. Tiveram de buscar recursos próprios e descobriram que a geração de caixa poderia ajudá-los a complementar os orçamentos municipais, em um efeito também parecido com as outorgas, mesmo que seja em detrimento do saneamento.
A concessão veio depois, como uma terceira opção para levar saneamento à população. Vista inicialmente como um gerador de obra, foi apresentada aos prefeitos como tal. E acabou sendo rechaçada por interferir nos interesses políticos dos gestores públicos.
Com a degradação cada vez maior do saneamento e a constatação de que a maioria das companhias estaduais e das autarquias não conseguiriam cumprir as obrigações, essa opção evoluiu lentamente, assim como a necessidade de criar marcos regulatórios. Apesar dos interesses políticos contrários, a conscientização crescente da sociedade levou à valorização — ainda que lenta — da concessão. Para promover mais rapidamente esse modelo, os governos perceberam que poderiam também manter o conceito de outorga na concessão. Esse se tornou o principal atrativo dos governantes, deixando o saneamento para trás.
É importante conhecer todo esse contexto para trabalhar em um modelo que traga soluções efetivas a todas as partes interessadas. No saneamento de hoje, devemos solucionar o passado, que são as dívidas que os estados e os municípios acumularam. E o presente, que é prestar os serviços com qualidade. Além disso, o futuro, que é levar o saneamento para todos que não o têm. Para isso, precisamos manter a chama política acesa e motivada, a partir das outorgas existentes.
Devemos atender a necessidade do retorno do capital investido e da rentabilidade dos acionistas das empresas. Da mesma forma, suprir as políticas de Estado de redução dos custos de saúde, de melhoria da educação, de aumento da produtividade, de geração de emprego, de valorização fundiária e de aumento de arrecadação.
Também é preciso visar o meio ambiente, com a eliminação da poluição dos corpos hídricos, o uso racional das águas com redução das perdas e ganho de eficiência, a utilização de energia renovável. Devemos atender o desenvolvimento humano com diminuição das doenças, da mortalidade e das diferenças sociais. E, finalmente, promover a qualidade de vida da população, com o conforto de ter continuamente água de qualidade nas casas, com os esgotos afastados e tratados.
Da forma como tudo está, a verdade é dura: não mudaremos a essência do saneamento. Temos de inverter a ordem, virando o saneamento de cabeça para baixo. Isso significa focar no essencial, que é a população e o desenvolvimento humano a partir do saneamento. Somente assim atingiremos o meio ambiente, as políticas de estado, os interesses do capital e dos acionistas, o engajamento político e a universalização.
*Presidente da Cristalina Saneamento
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