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Jornal GGN – “Eu então descubro que uma caixa-preta foi constituída com o dinheiro desviado da televisão brasileira”, diz Joseph Blatter, ex-presidente da Fifa, no livro Ma vérité (Minha Verdade), da editora francesa Éditions Héloïse d’Ormesson, lançado no dia 24 de maio. Sem nominar, Blatter falava da Rede Globo, cujo nome se mantém em segredo de Justiça nos autos da FIFA Gate.
Sucessor do brasileiro João Havelange, permaneceu no comando da Fifa desde 1998, por oito mandatos, abdicando do posto em junho de 2015, na deflagração do escândalo do futebol, a quem ele mesmo denominou em seu livro como “o caso Blatter”.
“27 de maio de 2015 começou o que se tornaria ‘o caso Blatter’: buscas na sede da FIFA, prisões em um palácio em Zurique, suspeitas de fraude e corrupção. O mundo do futebol não é mais redondo. Como o principal acusado, o epicentro do mundo do futebol, Sepp Blatter, o homem que trouxe este esporte da era do artesanato para a era industrial”, introduz a orelha de sua publicação lançada na Europa.
“De suas competições amadoras na Copa do Mundo no Qatar, Blatter evoca sua extraordinária ascensão do pequeno Valaisan para se tornar o todo-poderoso presidente da Fifa. Ele traça seu itinerário guiado por uma missão: tornar o futebol universal, torná-lo um elo de paz”, continua.
Mas a saga “heróica” de Blatter é interrompida quando fala de “negócios e geopolítica, e revela o que significa ter o posto de chefe de Estado, o orgulho e a incredulidade de ter sido um rei sem fronteiras”. Como toda orelha de um livro, é a publicidade que antecede a leitura.
Foi Jamil Chade, correspondente do Estado de S.Paulo em Genebra, que trouxe a revelação em manchete nesta sexta-feira (08): “Em livro, Joseph Blatter aponta ‘caixa-preta’ da ISL e de Havelange”. O jornalista teve acesso ao livro, atualmente na edição em francês, chegando a alguns dados inéditos para o público sobre o esquema de corrupção que envolveu o futebol e a Fifa.
Entre as narrativas das 240 páginas da voz de Blatter contando como ele vê os fatos hoje deflagrados, menciona as artimanhas envolvendo o seu antecessor, João Havelange, e Ricardo Teixeira, como ex-presidente da CBF. E que “descobriu” que o dinheiro de uma emissora de televisão brasileira teria sido desviado para a criação de uma “caixa-preta” no futebol.
Apesar de não mencionar diretamente “TV Globo”, Blatter estava se referindo, seguindo Jamil Chade, à falência da empresa de marketing esportivo ISL, que vendia direitos de transmissão de jogos e é acusada de pagar propinas incluindo aos cartolas brasileiros. O ex-presidente da Fifa já afirmava, antes, que desconhecia o bastidor envolvendo a ISL presente dentro da própria entidade.
Ao descrever como o caso passou a ser investigado, ainda em 2001, pelo tribunal da Suíça, abrindo um processo contra a ISL e realizando buscas na Fifa, Blatter mostrou-se surpreendido com o envolvimento da corrupção no Brasil: “Eu então descubro que uma caixa-preta foi constituída com o dinheiro desviado da televisão brasileira”, diz.
A Rede Globo tem seu nome mantido em segredo de Justiça nos autos que investigaram o caso. Mas era uma das investigadas, por ter tido os direitos de transmissão das Copas de 2002 e 2006, quando a ISL intermediava.
Na versão de Blatter dos fatos, enquanto Teixeira e Havelange sabiam e recebiam os pagamentos de propina da ISL, ele próprio não. Disse que se recusava a acreditar que Havelange também estava envolvido, pensando somente em Teixeira. Blatter narra que quando viu “passar uma transferência de US$ 1 milhão (R$ 3,7 milhões em valor atual) da ISL para Havelange”, ele “imediatamente” mandou “devolver ao contador, achando que tinha sido um erro”, e que começou a entender após a abertura do inquérito.
“A ISL começou a pagar propinas para manter os contratos da Fifa. Levou uma década de inquérito e processo para eu entender com detalhes o sistema que foi criado por Havelange e Teixeira, um sistema que eu totalmente estava fora. Os documentos do Tribunal de Zug indicaram que Havelange ficou com US$ 1 milhão. Quanto ao seu genro, Teixeira, ele leva US$ 12,4 milhões (R$ 45,8 milhões na cotação atual)”, segue, segundo Jamil Chade, do Estadão.
O primeiro capítulo do livro foi divulgado pela editora. Inicia-se com o dia e o horário da deflagração do chamado FIFA Gate, com o títutlo “Você me pegou!” [Disponibilizamos o primeiro capítulo abaixo].
“Em que a justiça americana está interessada? E por que a polícia suíça está prendendo seis pessoas nesta manhã em Zurique para extraditá-las para os Estados Unidos? Loretta Lynch suspeita de subornos em contratos de marketing e direitos televisivos, bem como na concessão de algumas Copas do Mundo. O Relatório Garcia lança dúvidas sobre as Copas do Mundo. Existem contratos de marketing e direitos televisivos, não para competições da FIFA, mas para competições nas Américas do Sul e do Norte”, introduz.
“Os contratos cobertos por esta investigação são os da CONMEBOL, Confederação Continental da América do Sul, e CONCACAF, a confederação de futebol da América do Norte, América Central e Caribe, que comemorou o 100º aniversário da a primeira grande competição da seleção nacional, a Copa América, disputada pela primeira vez em 1916”, continuou.
E logo nas primeiras páginas, Blatter expõe os interesses dos EUA sobre o caso:
“A ideia era organizar esse centésimo aniversário não na América do Sul, mas na América do Norte, convidando equipes para participar, especialmente duas equipes populares com o público, México e EUA. Com tais participações, os direitos de TV se tornaram interessantes. Uma empresa brasileira começou a organizar este torneio e redigiu os contratos de direitos de TV por sua filial em Miami, o que permite que a justiça americana se interesse. Os direitos de TV eram muito lucrativos por causa a realização de jogos nos Estados Unidos. Como previsto neste tipo de contrato, as taxas são pagas em três parcelas, a primeira na assinatura, a segunda durante o contrato, a terceira no final do evento.”
“A CONMEBOL e a CONCACAF decidiram redistribuir o dinheiro da primeira parcela aos presidentes das associações nacionais envolvidas nesta operação. Com exceção do presidente da federação peruana, que poderia comprovar que havia pago a soma recebida à sua equipe nacional, os demais presidentes mantiveram o dinheiro, ou seja, de 3 a 4 milhões de dólares entre todos”, é a terceira página do livro.