Por Leonardo Queiroz*

A pobreza, na realidade brasileira, por mais que se queira negar, é um fenômeno intimamente ligado à raça. Tal afirmação não carece de grandes esforços intelectuais para ser confirmada. Assim como, não é preciso nenhum impulso sobre-humano para constatar que, a forma escolhida pelo Brasil para tributar seus cidadãos é um dos principais causadores deste quadro de desigualdades raciais. A política tributária nacional, além contribuir para a criação desse cenário, é também um mecanismo de manutenção do racismo estrutural vigente no país.

É mais do que visível, por exemplo, que postos de poder e profissões de maior prestígio são ocupadas em sua maioria por pessoas reconhecidamente brancas.  Por outro lado, as profissões e cargos, com menor remuneração, a população carcerária e os não alfabetizados têm seu maior público formado por pessoas declaradamente negras.

Ainda que seja nítido o fosso que separa negros e brancos em nosso país, situação que qualquer observador com um pouco de boa vontade é capaz de constatar, os dados oficias de instituições nacionais e agências internacionais ratificam a cruel realidade que se percebe num primeiro olhar.

Dados da PNAD de 2015 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), demonstram que os negros (pretos e pardos) embora representassem 54% da população brasileira, eram mais de 75% entre os 10% mais pobres.

Ainda de acordo com os dados fornecidos pela PNAD, no grupo do 1% mais rico da população, a porcentagem de negros é de apenas 17,8%. Como parte da conclusão, o relatório demonstra que a desigualdade de renda, embora tenha decrescido nos últimos anos, mantém-se segmentada por cor ou raça.

É relevante salientar que, a baixa renda leva esse grupo social a um verdadeiro ciclo vicioso. Pois, a carência de recursos financeiros gera, na maioria das vezes, baixa escolaridade, que, por sua vez, gera baixa renda. Além de outras nocivas consequências, a exemplo das condições precárias de moradia e a falta de acesso ao saneamento básico.

Aspectos estes que podem ser facilmente confirmados na própria PNAD, no Censo ou em outras pesquisas de órgãos oficias, conforme demonstrado. Em resumo, o referido ciclo vicioso contribui de forma contundente para a violação do princípio da dignidade da pessoa humana, situação que deve ser veementemente combatida.

Matriz Tributária

Quando o Estado brasileiro decide quem vai pagar mais tributos e quem são os destinatários das políticas públicas financiadas com os impostos adquiridos, ele está definindo quem será pobre ou não no País. Se isso é verdade, poderia escolher uma forma de tributar que diminuísse as desigualdades sociais e raciais. É patente que muitos destes problemas poderiam ser superados se fossem feitas as opções corretas no campo da tributação

O Brasil apresenta uma Matriz Tributária altamente regressiva. É dizer, os contribuintes com menor capacidade contributiva suportam a maior parte da carga tributária no País. Os mais pobres pagam mais tributos que os mais ricos. Situação ocasionada, em grande medida, devido à grande incidência de tributação sobre o consumo de bens e serviços, pois nesses casos, os impostos pagos são iguais, independentemente da condição econômica do contribuinte. A tributação, com essas características, não leva em consideração a capacidade contributiva do indivíduo, onerando por demais às camadas mais pobres da população, que por consequência é formada por maioria de negros.

Dúvida não há que as escolhas adotadas pela Matriz Tributária brasileira geram desigualdades, porém, é preciso ir além, e perceber como o fator raça contribui para delimitar quem paga mais e quais os destinatários dos recursos arrecadados com a tributação. Pois, entende-se que a pobreza é mantida pela cobrança dos tributos, e o Brasil elegeu os negros para serem os pobres. Logo, são eles os que pagam mais impostos e os que menos recebem a contrapartida.

Encontrar mecanismos que permitam, através de melhores escolhas na tributação, a diminuição das desigualdades raciais é o caminho para formação de um país justo, inclusive no que tange às questões raciais. O Brasil não tem como se desenvolver plenamente se mais da metade da sua população, que é formada por pretos e pardos, não estiver inserida neste processo.

O Brasil, se dividido pela cor da pele, resultaria em dois países completamente distintos. Um primeiro, formado apenas pela população branca, ocuparia a 65ª posição no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Ao passo que, a outra nação, formada por negros e pardos, estaria relegada ao fim dessa fila, ocupando o 102º lugar. Não há outra possibilidade de mudanças para esse quadro, a não ser através da implementação de ações jurídicas e políticas que contribuam para a diminuição do fosso que separa negros e brancos no Brasil. E o tributo é um importante aliado nesse mister.

Noutras palavras, é urgente a apropriação, por parte daqueles que lutam pela transformação deste cenário, dos signos relativos às discussões tributárias. A apropriação do conhecimento de como as escolhas na tributação produz significativos efeitos na vida de seus cidadãos. A luta pela implementação de políticas públicas voltadas a diminuir a desigualdade racial deve se dar concomitantemente com a exigência maiores investimentos destinados na sua implementação.

Este é mais um desafio que a luta antirracista deve enfrentar. Essa breve reflexão objetiva contribuir nesse debate, tudo o mais é caminhada.

*Leonardo Queiroz é advogado e especialista em Direito Tributário