Foram muitos os contatos com o doutor Elsimar Coutinho, o médico, o cidadão sempre atencioso, afável e disposto a atender, a fazer; o cientista renomado e reconhecido no mundo inteiro, uma referência nos estudos e descobertas sobre a reprodução humana. Simplicidade pura, a despeito de tanta sabença, inteligente, inquieto e quase sempre bem humorado.

Mas, como jornalista/repórter, dois episódios marcaram.

Um deles quando ACM, o velho, teve aquele piripaque inesperado no coração e precisou ir às pressas para São Paulo, onde foi acudido e salvo pela equipe do Dr Adib Jatene. Trabalhava na Sucursal de um grande jornal do Sul e, repórter, fui incumbido da tarefa de descobrir e destrinchar o que tinha acontecido e o que estava acontecendo com o político poderoso. Cisquei aqui e ali… nada. Recorri ao doutor Elsimar, a quem já conhecia e sabia de sua amizade com o governador, e ele me atendeu pelo telefone, com a presteza e delicadeza de sempre. E, mesmo pedindo um off porque as informações que tinha foram passadas pelo médico que estava assistindo ACM (e não havia autorizado a fala), Elsimar me explicou passo a passo tudo o que havia acontecido e estava ocorrendo, inclusive detalhes da cirurgia no coração do ‘home’. Claro, passei o relatório / matéria com todo o cuidado ético exigido, o assunto era manchete nacional.  Só gratidão.

Outro episódio, esse anterior, foi numa entrevista, cara a cara, no momento em que ele, Elsimar, defensor convicto e renhido do controle de natalidade e planejamento familiar no Brasil e em todo o então chamado Terceiro Mundo, envolveu-se numa polêmica, briga feia mesmo, com a Igreja Católica, sempre conservadora em alguns princípios, e, vejam só, a ‘velha’ esquerda brasileira. Plena ditadura.

A Igreja condenava o médico por suas pesquisas na área da reprodução e fertilidade humana  e seus posicionamentos em favor do controle de natalidade, defensora que sempre foi do sexo no casamento, com o objetivo de fecundar e procriar, tendo como único método possível de evitar a gravidez o uso da tal tabelinha periódica do ciclo fértil feminino.

Já a esquerda acusava Elsimar de querer esterilizar em massa a população pobre do Brasil e do planeta, financiado com dinheiro da Ford/Rockfeller, a serviço dos interesses yanques. Rotulavam Elsimar como um exterminador de mulheres e dos pobres. Creiam.

Um debate encarniçado que o cientista Elsimar encarou, foi pro pau.

Desse encontro, entrevista (uma aula de sabedorias) e matéria jornalística me restou um argumento profético (eram os anos 70/80 do século passado) do grande humanista e pensador baiano que resumiria agora assim:

– Pensem na absurda quantidade de crianças que nascem e vemos perambulando pelas periferias urbanas, a grande maioria filhos e filhas de mães adolescentes e pais desconhecidos ou irresponsáveis; sem moradia, sem comida e sem assistência médica decentes, sem educação doméstica, sem escola, sem instrução, sem perspectiva de emprego ou de como ganhar a vida… totalmente fora do sistema de produção. Imaginem essas gerações chegando à adolescência, juventude …  o que será delas, do que serão capazes para que possam sobreviver numa sociedade consumista como a nossa?   Então, poderemos ver uma verdadeira guerra-civil sem princípios, sem bandeiras, sem ideologias !

Assim ele defendia o controle de natalidade. Profético.  Só faltou falar das drogas, dos comandos, das armas, do poder paralelo dos traficantes, das milícias, das quadrilhas, da corrupção institucional…    Do desamparo e dos desmandos que vivemos.

Grande Elsimar Coutinho, amante das mulheres todas, da Bahia, do nosso Bahia. Um gigante. Um Homem com H. Sábio.

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PS:  Elsimar Coutinho nasceu em Pojuca, 1930. Morreu neste Agosto/2020, Coronavírus.

 Zédejesusbarreto, jornalista por destino, escrevinhador por idílios.

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