Editorial do site Vermelho:

Em 30 de janeiro, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou “Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional”. No final de fevereiro, 26, é feito é diagnosticado o primeiro caso da Covid-19 no Brasil.

Chegou-se ao início de maio. O governo Bolsonaro dispôs de 3 meses, doze semanas, 90 dias, para prover e defender o Brasil contra a pior pandemia dos últimos cem anos. Em vez disso, o presidente da República usou cada hora desse precioso tempo para, criminosamente, fazer oposto. Fez e reitera a sabotagem contra o isolamento social. Agora, no Primeiro de Maio, o presidente saiu às ruas pregando que o desejo dele era ver todos trabalhando. Quer dizer, todos se contaminando. Ataca os governadores que, dispondo de poucos recursos, se desdobram para cuidar da população. Somente agora, por iniciativa do Congresso Nacional, é que irá se aprovar uma ajuda aos estados e municípios. Isso o governo federal já deveria ter feito desde fevereiro.

As filas gigantescas dos mais pobres, expostos ao vírus, à porta das agências da Caixa Econômica Federal, é uma imagem que retrata o desprezo do presidente pela vida dos brasileiros e brasileiras, sobretudo os mais carentes. Tardiamente, acenou com míseros R$ 200 de ajuda. Por pressão do Congresso Nacional, o auxílio emergencial aos vulneráveis foi fixada em R$ 600/1.200. De lá para cá, o governo federal protela e enrola para fazer o pagamento.

O desemprego explode. Milhões sem trabalho, sem salário ou salário subtraído a menos da metade. As micro, pequenas e médias empresas são abandonadas à própria sorte. Já é grande a quebradeira de empresas e a destruição de postos de trabalho. Não há investimentos. O governo não as socorre, não se coloca à frente da defesa da economia nacional. Empurra o país para uma gravíssima recessão.

Sem renda, sem condições de sustento e sem políticas públicas para se socorrerem, os trabalhadores, as trabalhadoras e suas famílias ficam expostos às privações, à fome e à pandemia. É uma equação mais do que criminosa; chega assumir feição genocida. Grande parte das mortes que já ocorreram pode ser contabilizada como resultado dessa política de Bolsonaro de insuflar a contaminação ao se opor ao isolamento social, e de não providenciar nenhum socorro aos que perdem a fonte de renda.

A posição de Bolsonaro de que a contaminação não tem como ser contida em uma grande parte da população é uma armadilha para empurrar os que não têm onde se socorrer à exposição ao risco de contaminação. É lógico que essa ideia deriva, além da desumanidade do presidente, do modelo econômico ultraliberal e neocolonial que o governo tenta preservar. Morram quantos morrerem, o importante é salvar os instrumentos e as políticas que garantem a imutabilidade da estrutura que preserva os ganhos fabulosos do rentismo, dos banqueiros.

O presidente, também, se ocupa em aprofundar a crise política. Demitiu dois ministros em plena pandemia, segue atacando o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF). Perde apoio na opinião pública. Se isola, crescentemente. Por essas voltas que o mundo dá, hoje é acusado por Sérgio Moro, a quem agora chama de Judas, por graves crimes de responsabilidade. Procede, sim, a denúncia do ex-juiz. Moro, todavia, não a fez por inteiro. Disse que Bolsonaro quer o controle total sobre a Polícia Federal para proteger os filhos e deputados bolsonaristas. Verdade. Mas a quer também para transformá-la em polícia política para chantagear e perseguir a oposição. Isso é determinante para ir abrindo caminho para o Estado autoritário e policial que pretende impor.

Em razão de tudo isso, fortalece e amplia a cada dia a convicção de que Bolsonaro não tem as mínimas condições para seguir ocupando a Presidência da República. Mais de uma dezena de pedidos de impeachment já foram protocolados junto à presidência da Câmara de Deputados. De fato, no Palácio do Planalto a rigor não há um presidente. Há um corvo. Um mensageiro da morte. Cedo ou tarde, lutemos para que seja cedo, Jair Messias Bolsonaro pagará pelos seus crimes. É um estorvo, mas ainda é o presidente da República.

Adentramos ao mês de maio com mais de 400 brasileiros e brasileiras perdendo a vida, a cada 24 horas. A curva ascendente de mortes e contaminações ganha velocidade espantosa. Apesar de o país estar às cegas, posto o irrisório número de testes, mesmo dados precários existentes indicam que o país está entrando numa fase que pode evoluir para uma grande tragédia nacional.

A questão é: ainda há tempo, ainda é possível salvar milhares de vidas. Conter, reduzir a gravidade dessa tragédia. Em algumas capitais, é iminente o colapso do sistema de saúde. Centenas, em caso grave, já esperam há dias por um por um leito hospitalar. Aumentam as mortes nas residências. Protocolos, denominados “escolha de Sofia”, já começam a ser redigidos. Quem terá acesso a UTI, quem terá acesso ao respirador? Como salientou a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ): Não há vidas descartáveis, todas importam!

Há que emergir, efetivamente, uma frente de salvação nacional, que abarque todos quanto se apresentem para defender a vida das pessoas e a democracia. O palco virtual do Primeiro de Maio, organizado pelas centrais sindicais, é um sinal de que essa frente vai se configurando. Representantes do Poder Legislativo, do Judiciário, lideranças dos partidos, das centrais sindicais, dos movimentos sociais, expoentes das religiões, expressões do mundo da cultura e da ciência, presidentes de entidades e instituições da sociedade civil, lideranças do empresariado, um caudal amplíssimo de forças precisa pressionar, exigir, do governo da República, medidas emergenciais – na esfera da saúde, da economia – para conter e mitigar a tragédia que bate à porta da nação.

É claro que o mais provável é que Bolsonaro seguirá atuando com essa política criminosa, que expõe o país à tragédia, à mortandade. Seguirá, também, conspirando, maquinando contra o regime democrático. Mas, se for assim, irá amadurecer as condições de a forças democráticas da nação fazerem o acerto de contas com a conduta criminosa de Bolsonaro.