Pedro Augusto Pinho*
A peça de Luigi Pirandello, escrita em 1917, que dá título a este artigo, pretende mostrar que há muito mais atrás dos fatos do que sua simples descrição.
Inicio transcrevendo do brilhante jornalista e arguto analista Luis Nassif sua análise de 19/09/2014, sob título “Como Dilma conseguiu perder o apoio da indústria”:
“No futuro, a maneira como Dilma Rousseff perdeu o apoio da classe empresarial – especialmente dos industriais paulistas – se constituirá em um caso clássico da ciência política.
Durante seu governo, Dilma ampliou o escopo do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social), distribuiu isenções fiscais, implementou a desoneração da folha de salários, definiu políticas industriais, avançou no conceito de conteúdo nacional nas compras públicas, montou parcerias com as Confederações empresariais, especialmente a CNI (Confederação Nacional da Indústria) e a CNA (Confederação Nacional da Agricultura).
Dos três candidatos – ela, Aécio, Marina – é a única que se alinha com uma escola de pensamento econômico que privilegia a indústria como motor do crescimento. Mesmo assim, Dilma conseguiu esse anti-feito extraordinário de ser abominada pelo empresariado paulista”.
Desde o Governo de Juscelino Kubitschek (1956 a 1961), a indústria automobilística vem desempenhando um papel de relevo na industrialização brasileira. Ousaria afirmar que apenas a Petrobrás foi mais importante na formação do parque industrial brasileiro, se excluirmos os bancos e instituições de fomento.
Seria, por conseguinte, bastante óbvio, buscando o crescimento econômico e a geração de empregos, que se desse incentivos à indústria, em geral, e à automobilística e de petróleo, em particular. Mas, sendo a Petrobrás, ainda, uma empresa estatal brasileira – para enorme desgosto do golpista Michel Temer e do seu candidato à sucessão, Geraldo Alckmin – podemos restringir nossas considerações ao setor automobilístico.
Mas quem proveita da isenção tributária na indústria automobilística brasileira?
É fundamental conhecer como está ou, melhor ainda, com quem está o poder econômico neste século XXI.
Uma de minhas constantes reflexões se voltam para o sistema financeiro internacional, que denomino abreviadamente banca. É o capital em seu estado mais puro: apenas o dinheiro, em moeda ou títulos.
AÇÃO DA BANCA
E qual o objetivo da banca?
Assinalo dois: primeiro a transferência de todos os ganhos, de qualquer área da economia, para o sistema financeiro. Assim o lucro industrial deve ser transformado num valor de aplicação pelo sistema financeiro. Um título de dívida, por exemplo, ou um dividendo, se aquele negócio for dominado pela banca. Mas, é conveniente que se esclareça, a banca tem pressa; se puder antecipar este ganho e colocá-lo no mercado da especulação, ela não aguardará a distribuição dos lucros.
O segundo objetivo é autofágico – promover a permanente concentração de renda. Assim, na luta da banca contra a banca, a que atirar primeiro ganha. E o caro leitor pode ver, claramente, que há cada dia maior número de compras, de fusões, de incorporações entre empresas, até que fique só uma: a da banca.
Entramos, assim, num campo mais restrito. A quem pertencem as maiores fabricantes no Brasil, pelo número de veículos vendidos?
As cinco grandes, conforme a revista Exame, são, pela ordem: Fiat, Volkswagen, General Motors (GM), Ford e Renault. Vejamos seus donos.
Há um site, estadunidense, que apresenta diversos dados sobre as empresas e seus mercados. E foi o 4-traders que consultamos para o que lhe informamos a seguir.
A FIAT tem como cinco maiores acionistas:
1 – Exor NV (private equity)
2 – Baillie Gifford & Co.
3 – Harris Associates LP
4 – Blackrock
5 – The Vanguard Group.
A VOLKSWAGEN tem como cinco maiores acionistas:
1 – Qatar Investment Authority
2 – The Vanguard Group
3 – Causeway Capital Management
4 – Amundi Asset Management
5 – Blackrock
A GM tem como cinco maiores acionistas:
1 – The Vanguard Group
2 – Blackrock
3 – Harris Associates
4 – State Street Corporation
5 – Berkshire Hathaway
A FORD tem como cinco maiores acionistas:
1 – The Vanguard Group
2 – Blackrock
3 – Newport Trust
4 – SsgA Funds Management
5 – Wellington Management
A RENAULT é empresa de economia mista. Aqui diríamos que é uma estatal. Dois acionistas, o Governo da França e a Nissan Motor, tem cada um 15% das ações. O terceiro maior acionista é a própria Renault com o fundo de seus empregados, possuem 4,20% do capital da companhia. Mas é curioso saber que The Vanguard Group e Blackrock também compartilham ações da Renault.
Antes de buscarmos uma resposta para o “case study” proposto por Luis Nassif, vamos desmistificar o “mercado competitivo” da ideologia liberal.
O prezado leitor também se perguntará, diante dos cinco maiores fabricantes no Brasil, que concorrência fazem The Vanguard Group e Blackrock que são proprietários da matriz de todos eles?
FARSA DA COMPETIÇÃO
Se houve, em algum tempo, competição, competitividade nos mercados, certamente não é o que ocorre, ao menos nestes últimos cinquenta/sessenta anos. Temos oligopólios, repartição de mercados por áreas geográficas ou por produtos, quando não monopólios, disfarçado sob nomes de fantasia da Unilever (Omo, Seda, Dove, Hellmann’s, Maizena, Knorr, Kibon, AXE, Lux, Rexona etc), da Colgate-Palmolive (Colgate, Palmolive, Protex, Sanex, Softsoap, Hill’s, Gard, Brite, Suavitol, Murphy, Care, Meridol, Irish Spring, Tom’s, Ajax, Pinho Sol, Fleecy, Axion, Cuddly, Elmex, Fluffy etc) ou de outra monopolista nas áreas de alimentos, saúde, roupas, bebidas etc. O que dirá então da produção mineral, de recursos finitos e indispensáveis para a civilização contemporânea.
Fica então mais fácil entender porque as isenções, os incentivos aprovados pela Presidente Dilma Rousseff provocaram reações antagônicas das associações industriais paulistas.
Todo recurso foi levado para a especulação financeira. Para o “mercado” que hoje é tão somente financeiro.
Façamos um pequeno exemplo, retirado da movimentação neste final de julho, da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Foi um dia de movimentações pouco expressivas para as ações mais negociadas. A Bovespa vem se recuperando lentamente depois da queda em meado de junho passado. A ação que escolhi é das bem negociadas e considerada pelos analistas “bom investimento”. Assim não se pode dizer que busquei um ponto fora da curva.
Tomemos então a ação ordinária do Bradesco (BBDC3). Sua cotação mínima foi R$ 27,84 e máxima R$ 28,46. Uma variação de 2,22%, em um único dia.
Ora, se você pode, com o recurso disponibilizado pela isenção ou incentivo, ganhar 2,22% ao dia, sem trabalho maior do que teclar seu computador, por que vai contratar mão de obra, encomendar chapas de aço, sofrer eventual encolhimento das vendas?
BANCA É CORRUPÇÃO
Quando escrevo que a banca é o maior fator de corrupção existente no Brasil e no mundo, fica claro ao que me refiro. E ainda há quem fique imaginando sítio em Atibaia ou apartamento no Guarujá (que nem são do Lula), ambos típicos de classe média, nada de avenida Foch, em Paris, ou suntuosos 450 m² no valorizado Higienópolis paulistano (de FHC). E mesmo o apartamento-cofre do aliado de Temer e FHC, o baiano Geddel Vieira Lima, com sacolas e mais sacolas de dinheiro em espécie (coisa de traficante). Tudo isso nada significa diante de um dia da banca com um benefício fiscal.
Quer moralidade? Faça a auditoria da dívida brasileira, promova intervenção nos bancos, financeiras, corretoras de valores ao invés das favelas cariocas.
Como fica diferente o mundo quando o colocamos sob a lente dos fatos, diferentemente das ideologias! E com que sutileza Luis Nassif no-lo apresenta!
*Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado.