A EC 95 impede que aumentos de arrecadação e ganhos reais vindos de um possível crescimento econômico sejam transferidos automaticamente para despesas de ações e serviços públicos de saúde. A rigor, a medida só permite que os gastos sejam reajustados pela inflação oficial do período.
“O sistema de saúde, que já tem um déficit histórico, possui um investimento per capita anual muito baixo e desigual nos territórios, incluindo recursos da união, estado e município. Há municípios em que o gasto por pessoa é de R$ 5 mil. Em outros, R$ 280. É necessário um investimento que leve em conta a desigualdade brasileira. Mas só é possível fazer isso se houver recurso. Senão vamos continuar fazendo uma ação e descobrindo outra”, alerta Islândia Carvalho, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Pernambuco.
“Nunca tivemos uma oportunidade tão grande quanto essa do coronavírus de denunciar publicamente a situação e rever as decisões”, avalia Ana Paula Soter, médica sanitarista, e doutoranda em Saúde Coletiva pela Unifesp.
Em um exercício com Bruno Moretti, economista e pós-doutor em sociologia pela UnB, Ana Soter calcula que se houvesse desvinculação de receita para a saúde, o SUS seria um terço do que é hoje. “Imagine enfrentar uma pandemia com o sistema dois terços menor. Seria caminhar para uma barbárie”, alerta.
A desvinculação de recursos da União, estados e municípios proposta pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, desobriga que os entes estaduais destinem 12% da Receita Corrente Líquida (RCL) para saúde e entes municipais 15%. E não se trata somente de leitos de UTI, mas de investimentos em pesquisa, insumos básicos, medicamentos, recursos para atenção básica e uma distribuição que leve em consideração as desigualdades regionais, explica a médica sanitarista.
Mobilização para reverter perdas
Ana Paula, que também é ex secretária-executiva do Ministério da Saúde no Governo Dilma e integrante do Núcleo de Acompanhamento de Políticas Públicas vinculado ao PT, detalha que a força de mobilização e articulação de parte da classe médica e de uma fatia do Congresso tem pressionado por uma mudança urgente de rumos no financiamento da saúde neste momento.
Ela, também assessora parlamentar do Senador Humberto Costa (PT), espera que num momento de comoção como este a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que está no Supremo Tribunal Federal (STF) em à emenda do teto de gastos também gere resultados.
O Conselho Nacional de Saúde declarou que, diante do quadro, é urgente que o Supremo Tribunal Federal (STF) declare como inconstitucional qualquer medida que retira dinheiro da saúde. Não só por causa do Covid-19, mas também pela necessidade constante de enfrentar a piora recente da mortalidade infantil e outras doenças, como dengue, sarampo, sífilis, HIV/Aids e tuberculose, além de desastres socioambientais como o de Brumadinho e o derramamento de petróleo no Litoral do país.
A cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, que, há anos, sofre com essas outras doenças, terá que enfrentar a pandemia de Covid-19 com 300 equipes de saúde da família a menos, extintas durante a gestão Crivella, 100 equipes incompletas e boa parte dos trabalhadores contratados por Organizações Sociais (OS) demitidos. Os números são da Rede Nacional de Médicos e Médicas Populares.
A rede coloca em questão a degradação das condições de vida da população desde a crise econômica mundial de 2008 no Brasil, o golpe de Estado de 2016 e a eleição de Jair Bolsonaro em 2018. “Aumento do desemprego, da informalidade e de vínculos trabalhistas frágeis, enfraquecimento do sistema de proteção social por meio da reforma trabalhista, da reforma da previdência e do congelamento do orçamento da Saúde até o ano de 2036 são medidas que contribuíram para a situação atual”.